A serenata

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O rapaz se apaixonou pela moça. Começaram a namorar. Terminaram. Voltaram. Noivaram. Terminaram novamente. Estavam nessa enrolação de vai-e-volta quando o rapaz apareceu para mim e para meu colega de música e nos contratou para fazer uma serenata para a noiva. “Estamos bem, a serenata é para celebrar”. Bacana, pensamos, serenata é a primeira vez. A experiência vai ser joia.

A música que deveríamos tocar era “Só Hoje”, do Jota Quest. Hoje penso que este era o primeiro sinal de que algo daria errado, mas na época não tivemos sensibilidade para perceber isso. O ano eu não lembro exatamente, mas foi na época em que bombava a famosa quinta-feira da Delilo’s. Quem viveu, viveu. Quem não viveu, paciência.

A notícia de que haveria uma serenata se espalhou em nosso grupo de amigos e alguns perguntaram a ele se poderiam presenciar o acontecimento, a título de curiosidade. O noivo não viu problemas e o público aumentou consideravelmente. Ninguém do nosso grupo tinha assistido uma serenata na vida.

Uma semana antes estávamos todos ansiosos com o evento: todos imaginando que ele jogaria uma pedrinha na janela do quarto dela, que ela apareceria na sacada, espantada mas sorridente, que na penumbra começaríamos os primeiros ponteios em nossos violões enquanto ela se dava conta do que acontecia… e o amor faria seu trabalho.

Mas na vida real o evento aconteceu num sábado à tarde, o sol estava a pino e na casa dela, justo nesse dia, estava acontecendo um churrasco de família. Não havia sacada, o terreno continha umas quatro casas e a vizinhança também marcava presença na festividade, acho que era aniversário de uma tia ou algo assim.

Os nossos amigos também espalharam demais a notícia e enquanto nos dirigíamos ao local percebemos que o grupo original (a dupla de violeiros mais dois ou três convidados que deveriam se manter discretos) havia se transformado em uma assembleia digna de encher igrejinha de bairro, todos ansiosos não mais pela serenata mas pelo fiasco que se anunciava.

Alguém gritou lá pros fundos do churrasco “ô fulana! olha aqui o teu ex!”, o que foi para mim e para meu colega uma surpresa, como assim “ex”? Não estava tudo bem? O (ex) noivo nos fez sinal para deixar no ponto o primeiro acorde da música, aquele MI maior, franco, que eu tanto adoro, mas ela saiu de casa segurando uma lata de Kaiser já meio quente e gritando “NÃO NÃO NÃO!!! PODE PARANDO COM ISSO!!!”.

Eu e meu colega nos olhamos e já não tínhamos certeza se era ou não para cantar, o noivo disse “TOCA”, então PLEMM, tocamos o MI maior, “hoje eu preciso te encontrar de qualquer jeito…”, ela gritou mais alto “PARA COM ISSO” e botou a mão no violão, nos obrigando a parar, puxou o noivo para um canto já agredindo o rapaz nas orelhas, no pescoço e no moral, os nossos amigos estarrecidos já faziam amizade com o pessoal do churrasco, todos regozijando-se da cena em conjunto.

Uma garota de uns três anos se aproximou de nós e disse: “se vocês quiserem podem entrar e cantar lá dentro, mas acabou a cerveja”.

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