Em 1804, Maria Águeda, mulher negra e livre, moradora do antigo bairro Tinguiquera — hoje Araucária —, recusou uma ordem das esposas da elite escravocrata de Curitiba que a mandaram buscar brasas, respondendo que elas mandassem suas próprias escravas. Essa atitude levou a um confronto com Maria Joaquina Marcondes, esposa do tenente-coronel Francisco de Paula Ribas. Após a missa, o tenente-coronel mandou prender Maria Águeda, inicialmente ordenando que fosse colocada no tronco, de pé e com o pescoço preso. Diante da súplica de um soldado e do marido de Maria Águeda, a ordem foi atenuada, e ela acabou presa na enxovia, sendo libertada no dia seguinte.

A narrativa acima, reconstituindo um momento repleto de simbolismos na história de Curitiba e Araucária, só se tornou possível graças ao excelente trabalho do professor e historiador da UFPR, Magnus R. de Mello Pereira. Ao unir perspicácia investigativa a um vasto referencial historiográfico, ele soube reconstruir pormenores da vida familiar de Águeda e do mundo ao seu redor — das relações sociais aos aspectos materiais da vida.

A atitude do tenente-coronel Francisco de Paula Ribas pode até parecer desproporcional. Mas é sempre bom lembrar que, no Haiti, havia terminado recentemente uma revolução de escravizados que durou mais de 12 anos, praticamente dizimando todos os brancos do país recém-criado. O medo de uma revolta de escravizados apavorava as elites escravocratas do Brasil. Qualquer fagulha de contestação deveria ser imediatamente apagada com todo o rigor. Foi o que aconteceu, anos antes, na chamada Conjuração Baiana, onde quatro negros foram enforcados e esquartejados por ousarem contestar o Antigo Regime.

Por isso, a atitude de Maria Águeda é tão inesperada e perigosa — e, por isso, tamanha severidade no trato da questão.

O professor Magnus nos faz uma cobrança bastante justa: prestar uma homenagem a Maria Águeda com a criação de uma praça, rua ou outro logradouro. Nas palavras do professor:

“Homenagear Maria Águeda, dando seu nome a uma praça, é reverenciar a firmeza de caráter de uma mulher do povo, mulata e pobre, como a maior parte da nossa gente. Por si só, esse gesto não compensa o secular costume de homenagear apenas os integrantes das elites locais. Praça Maria Águeda é apenas um logradouro contra milhares de outros a quem foi dado o nome de pessoas da elite — muitas delas de indiscutível valimento, outras nem sempre meritosas, como ditadores truculentos ou presidentes americanos que financiaram a quebra da democracia no Brasil. Praça Maria Águeda é um belo gesto simbólico, um começo.” (PEREIRA)

Se considerarmos que, entre os nomes dos logradouros públicos de Araucária, há vários ditadores homenageados, nada mais justo do que reconhecer uma verdadeira heroína — e não mais um covarde, como aquele que abandonou a capital frente à aproximação dos maragatos.

A Biblioteca Pública do Paraná já fez sua parte. Em 2023, inaugurou a Estante Afro Maria Águeda. Conforme a página oficial:

“Em 2023, a Biblioteca Pública do Paraná inaugurou a ‘Estante Afro Maria Águeda’, com uma doação de mais de 500 livros, uma ação conjunta com a Secretaria de Estado da Cultura, que promove e fortalece as pautas relacionadas à cultura negra, não só no Paraná como no Brasil. Importante ressaltar que este é o início da construção deste acervo, que continua recebendo doações e representa o caráter democrático da instituição, sendo uma das poucas bibliotecas do Brasil que possui um acervo totalmente dedicado à literatura negra. A iniciativa tem um grande simbolismo e marca uma das principais missões de uma biblioteca: ser um local de encontro comunitário acolhedor, aberto e gratuito, onde todos podem refletir, compartilhar e debater.” (BIBLIOTECA PÚBLICA DO PARANÁ).

Agora fica a dúvida: teriam os nossos políticos a coragem de Maria Águeda para homenagear alguém do povo?

BIBLIOTECA PÚBLICA DO PARANÁ. Estante Afro Maria Águeda. Disponível em: https://www.bpp.pr.gov.br/Pagina/Estante-Afro-Maria-Agueda

PEREIRA, Magnus R. de Mello. Uma praça para Maria Águeda. In: Centro Cultural Humaita. Disponível em: https://informativocentroculturalhumaita.wordpress.com/2018/04/03/uma-praca-para-maria-agueda/

Edição n.º 1462.