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As festas e aglomerações em bares, tabacarias, lanchonetes e até mesmo em via pública, vistas em ruas centrais de Araucária ao longo do último final de semana, chamaram a atenção da população local, pelo menos da parte que se previne contra o coronavírus.

O espanto da grande maioria das pessoas ao ver “o fervo” que tomou conta de diversos estabelecimentos comerciais destinados ao entretenimento, ficou ainda mais assustador quando confrontado com o número de óbitos causados pela Covid-19 em Araucária. Até esta quarta-feira, 14 de abril, eram 269. Trinta e uma mortes a mais do que há sete dias, quando o boletim epidemiológico indicava que eram 238 as vidas ceifadas pela pandemia.

Diante desse cenário, a gente se pergunta: o que leva uma pessoa a colocar a própria vida e a vida dos outros em risco? A psicóloga araucariense, Fabíola Karas, explica o comportamento das pessoas que deixam de se proteger da Covid, mesmo sabendo dos riscos. “Nesse momento de pandemia, estamos diante de um período que está afetando regras, normas, valores e padrões que eram previamente usados por todos nós e que precisaram ser reestruturados. Desenvolver e reestruturar qualquer novo padrão de comportamento é muito difícil, e fica mais complexo quando tem que ser feito de forma rápida e imediata. Dentro deste contexto podemos citar o uso de máscaras, distanciamento social e higienização, necessários para prevenir a contaminação. Para algumas pessoas a prevenção é um fenômeno mais difícil de aceitar, pois é algo hipotético. Quando se refere à possibilidade de ficar doente ou não. O fato é que a pandemia trouxe consigo momentos das pessoas questionarem seus direitos, estarem sujeitos diretamente a normas e regras impostas por autoridades, refletindo a dificuldade em lidar com a perda da liberdade”, explica a psicóloga.

A falta de informação, ou até mesmo informações baseadas em notícias falsas, segundo ela, também podem levar o indivíduo ao processo de negação da realidade, de que o inimigo é invisível, sem causas específicas e sem cura. “Então, se tem algo que está distante da realidade de algumas pessoas, este processo de negação, aliado à falta de empatia e o pensar na coletividade, colabora para comportamentos que estão contrários às orientações: aglomerações, falta do uso de máscaras, falta de higiene, demonstrando cada vez mais a falta de respeito para com o próximo”, pontuou Fabíola.

Ela lembra ainda que os profissionais da Psicologia estão percebendo e vivenciando no ambiente do consultório, um aumento de sintomas de ansiedade, ressignificação das relações sociais e agravamento de diversos sintomas psicológicos. “Enfim, é essencial que as pessoas avaliem suas atitudes individuais e coletivas para que possamos respeitar uns aos outros, para que este momento seja superado o mais breve possível”, destaca.

Faca de dois gumes

Se de um lado estão os comércios que têm autonomia para abrir, conforme atividade constante no alvará, alguns inclusive sendo palco de aglomerações, do outro estão aqueles que ainda se sentem penalizados com as restrições. Nesse contexto, o proprietário do Sítio do Alemão, Paulo Roberto Bonfleur, afirma ver a boa vontade da administração em fazer tudo funcionar, dentro dos protocolos de segurança, é nisso que muitos acabam se aproveitando e cometendo os excessos. Ele também afirma que a questão dos alvarás é polêmica. “Até que ponto as restrições, com base apenas no que está escrito na atividade do alvará, são válidas para o combate à pandemia. O Sítio tem um alvará de casa de eventos apenas. No início do ano o decreto flexibilizou um pouco a atividade, com o limite de público por m2, e até tínhamos intenção de abrir, mas logo veio a segunda onda e fechou tudo novamente. E nisso a gente acaba vendo o problema, onde alguns estabelecimentos fogem do que consta no alvará e passam a promover eventos, e nós que teríamos condições de abrir, com todas as precauções devidas e segurança, estamos proibidos, por conta do que consta no nosso alvará. A restrição na minha opinião devia ser sobre a efetiva atividade, independente do que consta no alvará”, lamenta.

O Sítio tem procurado seguir à risca as medidas restritivas dos decretos, tanto que recentemente completou 11 anos de atividades, e fez apenas uma postagem nas suas redes sociais, com a seguinte mensagem: “Já pensou se pudéssemos fazer essa festa? O baile infelizmente não pode ocorrer, porém, hoje, nossa história completa mais um ano”. O post chamou a atenção, já que alguns estabelecimentos que estão completando aniversário ou reinaugurando durante a pandemia, não se sentem intimidados em convidar o público para comemorar presencialmente. “Fizemos a publicação para avisar o público, já que as redes sociais são nosso principal contato com eles. Não foi com intuito de protestar, mas apenas mostrar que não deixamos de existir e estamos aguardando o momento correto para retomar as atividades, com total segurança, seja com a casa lotada como era antes ou dentro de um outro modelo, adaptado à pandemia”, observou Paulo.

O proprietário da loja Paraeles Moda Masculina, Junior Vinicios de Castro, também defende que todo comerciante tem o direito de abrir o seu comércio e de trabalhar para poder se recuperar. “Porém, sabemos que existem aqueles que não respeitam as situações, e a fiscalização devia ser mais efetiva nesses casos. Não dá pra esperar o pior acontecer, ver o povo se aglomerar, ampliar o risco de contaminação, tem que fiscalizar sempre que o ponto está com excesso de pessoas. O que acontece é que na primeira tentativa de flexibilizar os decretos, muitas pessoas se sentem livres para fazer o que querem, e isso afeta todo mundo, porque acaba forçando as autoridades a decretarem lockdown, prejudicando ainda mais os comerciantes da cidade”, criticou.

Junior lamenta que enquanto alguns comércios procuram andar na linha, atendendo no máximo três pessoas, outros colocam 7, 8, 10 pessoas pra dentro, em um espaço pequeno. “Na minha loja mesmo eu adotei todas as medidas determinadas pelos decretos e algumas a mais, que achei seguras para os meus funcionários e também para os clientes. Infelizmente nem todos pensam dessa forma, e parece que se pode estar aberto, pode ser de qualquer jeito, e não pode ser dessa forma, tem que ter uma fiscalização maior nesse sentido”, diz o comerciante.

“Todos nós queremos trabalhar, pois temos compromissos financeiros com nossos fornecedores e funcionários, mas isso deve ser feito com segurança e muitos cuidados para que não precisemos fechar nossos comércios novamente. A prevenção só terá efeito se feita no coletivo, pois de nada adianta tantos cuidados por parte de uns e pouca responsabilidade por parte de outros. Temos que nos unir contra esse vírus, que está matando tantas pessoas”, disse outra comerciante, que preferiu ficar no anonimato.

ACIAA defende a abertura total do comércio, com limites

O presidente da Associação Comercial de Araucária (ACIAA, Juscelino Katuragi, é um defensor da abertura total dos comércios, desde que sejam respeitadas todas as regras de prevenção determinadas pelas autoridades sanitárias. “Acho que deveria retornar se retomado o decreto mais flexível, abrindo tudo, inclusive liberando para eventos e outras atividades, é lógico que dentro de alguns limites. O problema é que nem todos têm aquela consciência coletiva, de que é importante orientar seus clientes a não se aglomerarem”, comentou.

Quanto às aglomerações no último final de semana, Katuragi disse que muitas pessoas ocuparam as calçadas e a frente dos estabelecimentos, mas isso não isenta os proprietários da culpa. “É preciso ter mais rigidez nas fiscalizações, para coibir esse tipo de situação. O problema é que a crise está aí, todos querem vender seus produtos, e com a flexibilização do decreto, muitos acabaram extrapolando. E se vier um decreto mais restritivo, muitos comerciantes vão fechar suas portas. E os que ainda sobrevivem, estão sem expectativa de repor estoques e fazer investimentos em seus comércios, diante de tanta incerteza”, disse Katuragi.

Para o presidente da ACIAA, a solução seria a união de todos. Se liberar eventos, devem respeitar a porcentagem; bares e restaurantes devem orientar as pessoas a não se aglomerarem e as lojas devem atender poucos clientes por vez. É uma situação tensa, porque precisamos girar a economia do município, e ao mesmo tempo, precisamos que a população em geral se conscientize e não cometa abusos. O momento ainda é crítico, temos as vacinas chegando, mas precisamos ter muita cautela, não é hora de sair de casa e se aglomerar. Temos que exercer nossa paciência e empatia com o próximo”, sugeriu.

A dificuldade das forças policiais no trabalho de fiscalização

Tanto a Polícia Militar quanto a Guarda Municipal continuam atendendo às inúmeras denúncias relacionadas a aglomerações, badernas e o não cumprimento das medidas de prevenção, porém, o fato de não terem autonomia para aplicar multas, torna o trabalho mais difícil. O 1° Ten Ivan Carlos Filus Netto, comandante da 2ª Cia da PM de Araucária, explicou que as equipes policiais priorizam a orientação e advertência em primeiro momento, sendo que os encaminhamentos que foram realizados até agora, foram de pessoas que não obedeceram e não compreenderam a solicitação das equipes. “Nós não temos mecanismos para aplicar multas às pessoas que descumprem os decretos, somente conseguimos atuar mediante encaminhamento, o que demanda muito transtorno, tempo e retira uma viatura do patrulhamento e do atendimento de situações rotineiras do serviço policial. Acredito que se desde o início, tanto a PM quanto a GM e demais órgãos fiscalizadores tivessem condições de aplicar multas às pessoas que abusam, principalmente em festas clandestinas, as ocorrências envolvendo este tipo de situação estariam bem menos frequentes”, esclareceu.

O comandante lembrou ainda que a PM segue fazendo o trabalho que lhe compete: atendendo às denúncias e atuando de imediato quando verifica abusos, principalmente em festas e demais aglomerações, que em sua imensa maioria não estão ligadas às atividades comerciais.

O secretário municipal de Segurança, José Roberto Fortes Couceiro, falou que a GM está fiscalizando e orientando as pessoas em situação de infração aos decretos. “Sempre pedimos que a população colabore, porque a saúde de todos está em jogo. É uma situação muito complicada a que vimos no final de semana. As pessoas estavam acostumadas com o lockdown e quando o decreto ficou mais flexível, se sentiram livres para sair às ruas, mas infelizmente ocorreram abusos”. Disse Fortes.

Texto: Maurenn Bernardo

Publicado na edição 1257 – 15/04/2021

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