Um episódio recente ocorrido em Araucária, onde um patrão teria assediado sexualmente a funcionária de apenas 17 anos, reacendeu a polêmica sobre os perigos desse tipo de delito no ambiente de trabalho. Para a superintendente da Delegacia da Mulher de Araucária, Giovana Laba, o assédio sexual se configura como um meio de exercer poder e controle sobre as vítimas dentro das empresas. Ela cita duas categorias de assédio sexual, sendo uma delas o assédio sexual por chantagem, que está descrita como delito no Código Penal, art. 216-A.

“Para caracterizar esse crime, é necessário que o agente constranja a vítima, com o intuito de obter alguma vantagem ou favorecimento sexual e, para isso, o assediador utiliza a sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de seu cargo, emprego ou função. Em resumo, essa modalidade exige que exista hierarquia e ascendência e pode ocorrer em outros ambientes além do laboral, como dentro das relações educacionais, médicas, religiosas, etc”, explica.

Outra categoria é o assédio sexual por intimidação que, apesar de não se enquadrar no delito citado anteriormente, poderá, a depender da situação, constituir ilícito civil, administrativo e penal. “Nesse caso, ocorre a prática de um ato lascivo, com objetivo de satisfação sexual, por um colega de trabalho contra outro, não sendo necessário que o assediador seja um superior hierárquico”, diz.

A superintendente da DM cita como exemplos mais comuns de assédio sexual as insinuações, gestos ou palavras de caráter sexual, a promessa de tratamento diferenciado mediante a adesão a investidas sexuais, ameaças de represálias, como a de perder o emprego caso a vítima não aceite a situação e conversas indesejadas sobre sexo. “É importante reforçar que pode haver assédio sexual de homens contra mulheres, mulheres contra homens, homens contra homens e mulheres contra mulheres. Contudo, as estatísticas indicam ser muito mais frequente o assédio de homens contra mulheres, em particular as mulheres negras. Outro grupo particularmente vulnerável é a população LGBTQIA+”, completa Giovana.

CONSEQUÊNCIAS

O assediador poderá ser responsabilizado na esfera criminal, administrativa, cível e trabalhista. O assédio sexual é considerado uma falta grave quando cometido no ambiente de trabalho e pode provocar a demissão por justa causa. Já na esfera criminal, a punição pelo delito de assédio sexual pode atingir até 2 anos de detenção. Ainda, é possível que a vítima seja indenizada por danos morais e materiais na área cível.

“Apesar de não ser o delito atendido com mais frequência em nossa unidade (Delegacia da Mulher), o assédio sexual é um problema a ser enfrentado diariamente. Além dos procedimentos instaurados para averiguação dos delitos de assédio sexual que chegam ao nosso conhecimento, os policiais de nossa unidade costumam realizar ações educativas, a convite de grandes empresas da cidade, para conscientização de seus funcionários sobre o tema, visando evitar que esse tipo de conduta ocorra no ambiente laboral. Esse tipo de ação é extremamente necessário, visto que é comum que o mesmo agente seja responsável por assediar sexualmente diversas vítimas. Sendo assim, o conhecimento levado até as vítimas pode encorajá-las a denunciar a situação”, orienta a superintendente.

Segundo Rúbia Vanessa Canabarro, procuradora do Trabalho da Procuradoria Regional do Trabalho da 9ª Região/Ministério Público do Trabalho no Paraná (MPT-PR), quando se perceber assediada sexualmente, a vítima deve buscar expressar sua rejeição, como forma de fazer cessar o assédio ou impedir que se agrave. No entanto, é importante estabelecer, com vistas a retirar o conteúdo preconceituoso do dispositivo penal, que o assédio sexual não decorre da conduta da vítima, ou de sua vestimenta ou comportamento, mas do comportamento do agressor, de suas intenções, repelidas ou não expressamente pela outra parte.

“Algumas atitudes são importantes para fazer cessar o assédio e evitar que ele se propague e se agrave no ambiente de trabalho: evitar permanecer sozinha(o) no mesmo local que o(a) assediador(a); anotar, com detalhes, todas as práticas abusivas sofridas, como dia, mês, ano, hora, local ou setor, nome do(a) agressor(a), colegas que testemunharam os fatos, conteúdo das conversas e o que mais achar necessário; dar visibilidade, procurando a ajuda dos colegas, principalmente daqueles que testemunharam o fato ou que são ou foram vítimas; reunir provas, como bilhetes, e-mails, mensagens em redes sociais e outros; livrar-se do sentimento de culpa, uma vez que a irregularidade da conduta não depende do comportamento da vítima, mas sim do agressor; denunciar aos órgãos de proteção e defesa dos direitos das mulheres ou dos trabalhadores, inclusive o sindicato profissional; comunicar aos superiores hierárquicos, bem como informar por meio dos canais internos da empresa, tais como ouvidoria, comitês de éticas ou outros meios idôneos disponíveis; buscar apoio junto a familiares, amigos e colegas; relatar o fato perante a CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) e ao SESMT (Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho)”, orienta a procuradora.

COMO COMPROVAR

A procuradora explica que a prática do assédio sexual pode ser provada por meio de bilhetes, cartas, mensagens eletrônicas, e-mails, documentos, áudios, vídeos, registros de ocorrências em canais internos da empresa ou órgãos públicos. Também é possível provar por meio de ligações telefônicas ou registros em redes sociais (Facebook, Instagram, Whatsapp e outras) e testemunhas que tenham conhecimento dos fatos. Admite-se, inclusive, gravação de conversas ou imagens por um dos envolvidos no ato – interlocutor – ainda que sem o conhecimento do agressor.

“É essencial, por outro lado, que a vítima tenha consciência de que o seu depoimento tem valor como meio de prova. Diante da dificuldade de se provar o assédio sexual – que na maioria dos casos é praticado às escondidas – a doutrina e a jurisprudência têm valorizado a prova indireta, ou seja, prova por indícios e circunstâncias de fato. Por isso, as regras de presunção devem ser admitidas e os indícios possuem sua importância potencializada, sob pena de se permitir que o assediador se beneficie de sua conduta oculta”.

COMO PREVENIR

As empresas devem proporcionar um ambiente de trabalho livre de qualquer tipo de assédio, isso é dever do empregador. É importante a adoção de algumas medidas, tais como: criar canais de comunicação eficazes e com regras claras de funcionamento, apuração e sanção de atos de assédio, que garantam o sigilo da identidade do denunciante; desenvolver espaços de confiança e diálogo; incluir o tema do assédio sexual na semana interna de prevenção de acidentes de trabalho e nas práticas da CIPA; inserir o assunto em treinamentos, palestras e cursos em geral, assim como conscientizar os trabalhadores a respeito da igualdade entre homens e mulheres; capacitar os integrantes do SESMT e dos recursos humanos, bem como aqueles que exercem funções de liderança, chefia e gerência; incluir regras de conduta a respeito do assédio moral e sexual nas normas internas da empresa, inclusive prevendo formas de apuração e punição; negociar com os sindicatos da categoria cláusulas sociais em acordos coletivos de trabalho, para prevenir o assédio moral e sexual; e contratar empresas de consultoria externa para realizar um diagnóstico dos funcionários, buscando prevenir situações de assédio.

Ainda conforme a procuradora, embora o processo criminal decorrente do assédio sexual seja da competência da Justiça Comum, a prática tem reflexos também no Direito do Trabalho. Ela se enquadra, por exemplo, nas hipóteses de não cumprimento das obrigações contratuais (artigo 483, alínea “e”, da CLT) ou de prática de ato lesivo contra a honra e boa fama (artigo 482, alínea “b”). Nessa situação, a vítima pode obter a rescisão indireta do contrato de trabalho, motivada por falta grave do empregador, e terá o direito de extinguir o vínculo trabalhista e de receber todas as parcelas devidas na dispensa imotivada (aviso prévio, férias e 13º salário proporcional, FGTS com multa de 40%, etc).

Caracterizado o dano e configurado o assédio sexual, a vítima tem direito também a indenização para reparação do dano (artigo 927 do Código Civil). Nesse caso, a competência é da Justiça do Trabalho, pois o pedido tem como origem a relação de trabalho (artigo 114, inciso VI, da Constituição da República).

“Cabe ao Ministério Público do Trabalho, como órgão independente que defende a ordem jurídica e a legislação trabalhista quando houver interesse relevante, investigar as denúncias que recebe a respeito de assédio moral e sexual, o que pode se dar de várias maneiras, a partir dos elementos disponíveis e das características de cada caso concreto. E, uma vez confirmada a conduta, cabe ao MPT adotar as medidas cabíveis para estancar essa prática, o que pode acontecer pela via administrativa, ou seja, extrajudicial (em regra por meio da assinatura e acompanhamento de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta), ou pela via judicial (por meio do ajuizamento de Ação Civil Pública). Nessa atuação, em regra, são impostas multas ao empregador (seja para fins de reparação do dano moral causado à sociedade, seja para coibir a reiteração da conduta, seja para punir a reiteração da conduta). Tais valores, porém, não revertem diretamente à vítima, mas à sociedade, sendo essa a razão pela qual a vítima pode, se assim desejar, buscar reparação individual junto à Justiça do Trabalho”, declara a procuradora.

Ela salienta que os membros do MPT também atuam de forma promocional no tema do assédio moral e sexual, organizando e participando de eventos, cursos, palestras, audiência públicas, assim como elaborando material informativo. Sendo assim, o MPT possui atribuição para atuar no combate ao assédio moral, de forma preventiva ou repressiva, buscando a garantia dos direitos fundamentais do trabalho e a preservação do meio ambiente de trabalho saudável, seguro e livre de qualquer forma de assédio.

Para formalizar sua denúncia no MPT, basta acessar o site www.mpt.mp.br, clicando na Procuradoria Regional do Estado, e relatar os fatos. Em caso de dúvida ou dificuldade, pode-se fazer denúncia pessoalmente na sede da Procuradoria Regional do seu Estado ou na Procuradoria do Trabalho no Município. É importante para o desenvolvimento das investigações que o denunciante preencha corretamente os dados do formulário, inclusive com sua correta identificação, sendo possível requerer o sigilo de seus dados.

CONTE COMIGO!

O Centro de Referência de Atendimento à Mulher em situação de violência (CRAM) reforça que para que o assédio sexual seja caracterizado, não é necessário o contato físico. “Variadas condutas podem configurar assédio. Essa prática pode ser explícita ou sutil, com contato físico ou verbal, como expressões faladas ou escritas, ou meios como gestos, imagens enviadas por e-mails, comentários em redes sociais, vídeos, presentes, entre outros”, ilustra a assistente social Márcia de Mattos Fonseca.

De acordo com a técnica do CRAM, os sujeitos do assédio sexual no trabalho podem ser tanto pessoas em posições de poder quanto colegas de trabalho. Em geral, os assediadores no ambiente laboral incluem superiores hierárquicos, colegas de trabalho ou subordinados (em casos menos comuns). Embora seja mais raro, também pode ocorrer quando um subordinado assedia seu superior. Nesse cenário, o poder da posição hierárquica é invertido, mas, ainda assim, se configura como assédio.

“Segundo a Cartilha do Ministério Público /2017, o assédio sexual no trabalho pode ser praticado com ou sem posição hierárquica de cargo, mas o que configura crime de assédio é o assédio por chantagem, onde exige-se a hierarquia entre assediador e a vítima”, cita Márcia.

O CRAM é um equipamento público, vinculado à Política de Assistência Social, cuja finalidade é o enfrentamento da violência, considerando os cinco tipos que são tipificados na Lei Maria da Penha nº 11.340/06: violência física; psicológica; sexual; patrimonial e moral. Todas as ações são articuladas com a rede de proteção, parceria com instituições governamentais ou ONGs, buscando, também, através de políticas públicas, proporcionar a autonomia e empoderamento desse público.

O projeto Conte Comigo, criado em Agosto/2023 com o objetivo de abordar a temática da violência contra mulher e sobre o assédio sexual, (conceito, como identificar, como denunciar). O projeto é compartilhado com os servidores do município de Araucária, no intuito de alinhar o fluxo de atendimento, para quando detectarem uma mulher em situação de violência, saibam o que fazer e para onde encaminhá-la.

“No período de 2020 a 2022, o CRAM recebeu apenas uma denúncia de assédio sexual, no entanto, a demanda para este serviço foi aberta no segundo semestre de 2024, devido ao aumento significativo deste tipo de ocorrência. Atualmente, foram identificados 10 casos. Destacamos um deles cometido no ambiente de trabalho, onde foi concedida a mesma medida para cinco mulheres vítimas de assédio sexual cometido pelo colega de trabalho, ele compartilhou imagens com cunho pornográfico, através de mensagens de WhatsApp. Esse crime foi cometido na modalidade abuso sexual por intimidação ou assédio na posição horizontal, onde não há relação de hierarquia”, explica a assistente social.

Edição n.º 1456.