Como consequência do abandono afetivo, cada vez mais, o Judiciário recebe processos de cunho indenizatório. Em decisão recente da 2ª Câmara de Direito Privado do TJSP, esta reformou sentença da Comarca de Limeira que havia julgado improcedente pedido de indenização de uma mulher por abandono afetivo e material. O valor arbitrado da reparação foi equivalente a 45 salários mínimos.
De acordo com os autos, o pai da autora abandonou a família, com prejuízo da assistência moral, afetiva e material dela. Em defesa, o pai relatou que se afastou de casa por desentendimentos com sua mulher, porém, quando a filha o procurou 20 anos depois, ele a tratou bem.
No entendimento do relator Luiz Beethoven Giffoni Ferreira, o réu faltou com o dever de prover alimentos e assistência para com a filha, e a pena pecuniária é devida pelo abandono consciente e voluntário promovido por ele.
Abandono afetivo, em resumo, consiste na indiferença afetiva dispensada por um genitor a sua prole, um desajuste familiar que sempre existiu na sociedade e, decerto, continuará a existir, desafiando soluções de terapeutas e especialistas.
O que é relativamente recente, contudo, é a transferência dessa contenda própria do ambiente familiar para as salas de audiências e tribunais país afora, essencialmente sob a forma de indenizações pecuniárias buscadas pelo filho em face do pai, ao qual se imputa o ilícito de não comparecer aos atos da vida relacionados ao desenvolvimento social e psíquico de seu descendente.
O voto condutor apoiou-se em dois fundamentos: a) a consequência jurídica do abandono e do descumprimento dos deveres de sustento, guarda e educação é a destituição do poder familiar (artigo 24 do Estatuto da Criança e Adolescente e artigo 1.638, inciso II, do Código Civil), não havendo espaço para a compensação pecuniária pela desafeição; b) a condenação ao pagamento de indenização, na contramão dos mais nobres propósitos imagináveis, consubstanciaria exatamente o sepultamento da mínima chance de aproximação entre pai e filho, seja no presente ou futuro.
A professora Maria Berenice Dias foi no cerne da questão: “os grande desafio dos dias de hoje é descobrir o toque diferenciador das estruturas interpessoais que permita inseri-las em um conceito mais amplo de família. Esse ponto de identificação é encontrado no vínculo afetivo”.
Finalmente, a migração para os tribunais de temas antes circunscritos ao ambiente familiar merece mesmo reflexão não somente de juristas, mas de terapeutas e cientistas sociais, como forma de análise da família no contexto moderno.
Portanto, ser pai e mãe, não significa ficar circunscrito ao mundo econômico-financeiro, quando da análise do dever de assistência. A dor moral pelo abandono de um pai ou de uma mãe, tem total relevância no mundo jurídico, e pode (deve!) ser condenado a reparar a dor moral aquele que lhe der causa.
Publicado na edição 1313 – 26/05/2022