No dia 12 de junho, o governador de Santa Catarina, Jorginho Mello, surpreendeu a todos com uma brincadeira que causou muita polêmica no Brasil e no mundo. Em um evento em Curitiba, ele disparou: “Daqui a pouco, se o negócio não funcionar muito bem lá para cima, nós passamos uma trena para o lado de cá e fazemos ‘o Sul é nosso país’, né?”

Estavam presentes os outros dois governadores da Região Sul, Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, e Ratinho Junior, do Paraná, o que tornou o momento ainda mais emblemático. O clima de descontração continuou, mas todos os presentes sabiam que a brincadeira se referia a algo muito sério.

A própria Constituição Federal estabelece a integridade do território nacional como um pilar fundamental da República Federativa do Brasil. Já em seu artigo 1º, ela determina que a República Federativa do Brasil é “formada pela união INDISSOLÚVEL dos Estados e Municípios e do Distrito Federal […]”. Isso significa que as unidades da federação não têm o direito de se separar, o que garante a coesão territorial do país; e que a União tem o dever de intervir nos entes federados para manter a integridade nacional.

Até mesmo a poderosa corporação britânica BBC publicou uma matéria sobre a fala do governador catarinense com o título “Governador de Santa Catarina fala em fazer o ‘país do Sul’: de onde vem o separatismo sulista?”. Embora a matéria da BBC tentasse construir uma explicação histórica sobre a origem do movimento separatista, acredito que deixou a desejar no cumprimento de seu principal objetivo.

A Construção da Unidade Nacional

Antes de tentar compreender a origem do separatismo meridional, é importante saber como se deu a construção da nossa unidade nacional. O Brasil não deveria ter sido possível; era muito mais provável que na América Portuguesa tivesse acontecido o mesmo que na América Espanhola, onde as antigas colônias se converteram numa verdadeira colcha de retalhos, com um monte de pequenas repúblicas, e os interesses das elites locais se sobrepuseram à possibilidade de se formar unidades políticas maiores.

Mas, no Brasil, durante o processo de independência, uma questão se sobrepôs aos interesses das elites locais: o temor de uma revolta generalizada dos escravizados. Daí a necessidade da força militar do Império, e nesse sentido, a presença da dinastia dos Braganças foi fundamental. É lógico que as elites de diferentes regiões se detestavam, assim como hoje, mas e os pretos, e os pobres, e os negros da terra? Não dava para arriscar, o negócio era se suportar.

As Raízes Históricas do Separatismo Sulista

Aqui nas terras dos pinheirais, durante o período do Brasil Império (1822-1889) e o início do Brasil República (1889-atual), duas guerras civis tiveram importância fundamental para a formação do espírito separatista entre muitos gaúchos, catarinenses e paranaenses: a Guerra dos Farrapos (1835-1845) e a Revolução Federalista (1893-1895). A Revolução Farroupilha foi a que chegou mais longe na efetivação de ações separatistas, criando dois novos países nas bandas meridionais do nosso território: a República Rio-Grandense, também conhecida como República do Piratini (1836-1845), e a República Juliana, em terras que hoje são parte do território de Santa Catarina (julho a novembro de 1839).

Quanto à Revolução Federalista, a guerra entre Maragatos e Pica-paus não tinha como objetivo declarado o separatismo, mas sim a queda do Presidente da República, Marechal Floriano Peixoto, e do governador do Rio Grande do Sul, Júlio de Castilhos, com a implementação de uma República Parlamentarista. Os revolucionários maragatos não formavam um grupo homogêneo, tendo em suas fileiras monarquistas, separatistas e parlamentaristas. Oficialmente, sempre negaram ter como objetivo separar o Sul do resto do Brasil. Derrotados pelas forças castilhistas e florianistas, ficaram com a fama de serem todos separatistas. Quem venceu no Rio Grande do Sul projetava uma República autoritária. Um dos discípulos de Júlio de Castilhos foi Getúlio Vargas, o mais centralizador de todos os presidentes da República.

Diferente do que dá a entender a reportagem da BBC, a Guerra do Contestado (1912-1916) não tinha um viés separatista. Trata-se de um movimento social de oprimidos contra opressores e, por isso, não é usada como referência histórica pelo movimento “O Sul é Meu País”, que tem um caráter mais elitista. A Guerra do Contestado é muito mais usada por movimentos sociais, como o MST.

O Movimento Atual “O Sul é Meu País”

O movimento “O Sul é Meu País” foi fundado em 1992 em Laguna, Santa Catarina, capital da antiga República Juliana, o que confere ao movimento uma conexão com o passado separatista da região. Desde 2016, o movimento tem realizado plebiscitos informais com o objetivo de mobilizar a opinião pública dos cidadãos da Região Sul. Também tem criado comissões municipais, realizado congressos e investido em ativismo digital.

Resta saber se alguém contou aos seus apoiadores que as três instituições que são as maiores inimigas de qualquer separatismo são o Exército, a Marinha e a Aeronáutica.

Edição n.º 1473.