Estima-se que atualmente vivam no Brasil em torno de 600 mil ucranianos e descendentes de ucranianos, sendo que 80% dos mesmos vivem no Paraná. Entre 1895 e 1920 cerca de 50 mil ucranianos desembarcaram no Brasil, talvez mais. Grande parte desse contingente veio da Galícia, região que foi dominada pelo antigo Império Austro-Húngaro. É por isso que no Arquivo Público do Paraná muitos imigrantes foram identificados como austríacos. Por serem eslavos muitas vezes eram confundidos com os poloneses, daí a dificuldade em se precisar os números. Aqui mesmo em Araucária a confusão era constante entre os antigos moradores.
São muitas as personalidades descendentes de ucranianos que marcaram e marcam a história do Brasil. Dentre elas podemos destacar a saudosa poetisa Helena Kolody (1912-2004), filha de ucranianos, nascida no núcleo colonial de Cruz Machado. Essa dedicada professora, de mais de 4 mil alunos, lecionou em várias cidades do Paraná e traduziu em lindos versos o sentimento dos descendentes ucranianos em nossas terras, suas lutas, preocupações e alegrias. Com a guerra na Ucrânia as palavras da saudosa professora se fazem mais atuais do que nunca, como podemos conferir no trecho do poema Saga, de 1980:
Na Colônia Ipiranga, aqui em Araucária, temos uma forte presença de descendentes de ucranianos, também conhecidos como rutenos. De acordo com a historiadora Luciane Czelusniak Obrzut Ono, a religião ortodoxa ucraniana, os casamentos, os bordados, o uso do calendário litúrgico juliano e a presença do alfabeto ucraniano são testemunhas da presença ucraniana em Araucária. Na capela Assunção de Nossa Senhora, em Colônia Cristina, as celebrações das missas são feitas em ucraniano, sendo que os padres ficam boa parte do tempo de costas para os fiéis e de frente para o altar.
Dentre as tradições mantidas na comunidade Ipiranga, destaca-se a confecção de pêssankas, ovos coloridos, pintados à mão com formas geométricas, que simbolizam a páscoa e a ressurreição de Jesus Cristo. Esses ovos são dados de presente à amigos e familiares no tempo da Páscoa, desejando proteção e longevidade. A palavra pêssanka deriva do verbo pysaty (em alfabeto cirílico ucraniano писати) que significa escrever, porque seus desenhos representam simbolicamente o desejo de saúde e prosperidade aos seus semelhantes.
O que poucas pessoas sabem é que na Igreja Ortodoxa o calendário litúrgico é o Calendário Juliano. O Calendário Juliano (mais de 1600 anos mais antigo que o Gregoriano), tem uma diferença de 13 dias em relação ao Calendário Gregoriano (usado oficialmente no Brasil). Portanto, quando for 9 de abril no Calendário Gregoriano, domingo de Páscoa para católicos, evangélicos e protestantes, será 27 de março no Calendário Juliano. Isso explica, em parte, porque os ortodoxos em 2023 comemorarão à Pascoa uma semana depois dos católicos, evangélicos e protestantes, iniciando as celebrações na noite do dia 15 e comemorando a ressureição de Cristo no dia 16 de abril, ou seja, no domingo seguinte.
Retornando à última estrofe do poema da professora Helena Kolody, obviamente o “quieto pranto” dessa vez não será “saudoso”. Na Páscoa de 2023, assim como em 2022, os corações dos ucranianos de Araucária estarão mais apertados. Já se passou mais de um ano desde que a Ucrânia foi invadida, e as celebrações dessa Páscoa estarão reforçando os apelos pela paz e para que Cristo ressuscitado conforte os corações dos familiares das vítimas da guerra. Na Páscoa desse ano, os corações ucranianos de Araucária, certamente, estarão reforçando seus votos para que a Páscoa de 2024 seja marcada pela alegria dos povos irmãos reconciliados, vivendo em harmonia, respeitando a soberania das nações e para que o perdão se torne uma possibilidade concreta no coração de todos os ortodoxos do mundo. Assim esperançamos!
Edição n. 1357