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A luta e a resistência do Candomblé em Araucária

Foto: Divulgação.
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Na realidade brasileira, onde existe uma grande pluralidade de crenças, a criação do Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, estabelecido pela Lei 14.519/23, surge como um marco significativo

A data, que foi celebrada em 21 de março, destaca-se não apenas pelo reconhecimento das tradições ancestrais, mas também pela urgência de promover diálogos sobre a importância e o respeito à diversidade religiosa e étnica em nosso país.

A discussão acerca das crenças de matrizes africanas é importante justamente pela diversidade. “Quando se fala em religiosidade, de matriz africana, as pessoas não têm conhecimento, confundem a umbanda com o Candomblé. A Umbanda foi criada há cerca de 105 anos, ela junta um pouco do catolicismo, espiritismo kardecista e trabalha com espíritos desencarnados. A gente também tem esse culto da umbanda, mas cultuamos o Candomblé, uma religião de matriz africana, desenvolvida e adaptada no Brasil”, contou o Sacerdote Religioso Babalorisá Marcio Aiyrágofemi e Presidente do Ilê Ketu Asé Oba Ayrá.

Ele enfatiza a relevância do Candomblé, ressaltando sua história de resistência e aprofundamento cultural. “Para chegarmos a todo o conhecimento do Candomblé é preciso uma iniciação e percorrer uma pequena jornada. Também quando se fala de candomblé, as pessoas precisam entender que a África é um continente cheio de países e que nós fazemos o resgate de uma cultura ancestral antiga. Então o que acontece é que muitas pessoas tinham que aprender oralmente os ditos segredos do candomblé, a religiosidade da nossa africanidade”, completou

Márcio reforça que o povo do Candomblé é vítima de intolerância constante, então existe uma preocupação muito grande com o lado social e o socioambiental. “Nós cuidamos da natureza, dependemos dela”, frisa. Ele ainda complementa que a intenção do Candomblé não é pregar de porta em porta e trazer adeptos à sua religião. “Até mesmo porque na nossa religião a pessoa precisa ter comprometimento com as coisas sagradas. Entendemos a espiritualidade como um dever, não é um lugar que você vai uma vez ou outra, de vez em quando. Quem vai se iniciar no candomblé não se inicia por bonito, mas por uma necessidade de resgatar a sua ancestralidade”, explica.

Diante da realidade vivida pelos representantes do Candomblé, Marcio diz que as pessoas não precisam respeitá-los como autoridade religiosa porque cada um tem a sua própria religião. “Queremos ser respeitados pelo nosso lado cultural, nossa culinária, nossa dança, nossa musicalidade e nosso idioma, que já está de bom tamanho”, afirma.

O Babalasé Pedro Palu, advogado e vice-presidente do Ilê Ketu Asé Oba Ayrá, ao contextualizar o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, ressalta sua significância no combate à discriminação racial e religiosa. “O dia 21 março, desde a promulgação pela ONU do Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, em 1979, marca uma das pautas mais importantes do Brasil, não somente pelo contexto histórico, mas também pelo atual momento em que vivenciamos no País. Vale ressaltar que, no presente, muitas são as notícias que demonstram a real necessidade da discussão acerca da discriminação racial e da intolerância religiosa em território nacional. A importância trazida pelo dia 21 de março é de muita luta, diálogo e conscientização acerca das políticas raciais e antirracistas necessárias a uma conjuntura segregacionista e violenta que assola o Brasil. Para os povos de Terreiros, ou membros de religiões de matriz africana, a data é relembrada como a luta para a manutenção de uma crença milenar, que vem sendo cada vez mais estigmatizada e violada ao longo do tempo”, afirma.

O advogado lembra ainda que o Dia Nacional dedicado ao candomblé demonstra a relevância de políticas públicas para a erradicação da toda e qualquer discriminação oriunda de credo, raça ou cor. “A comunicação e promoção do diálogo a respeito do tema faz-se necessária para valermos dos preceitos constitucionais previstos na Carta Cidadã, promovendo assim, a liberdade de consciência de crença, cultos e manifestações das liturgias religiosas. Para além dos problemas vivenciados pelo Brasil, em Araucária, a luta pela manutenção de uma cultura afro-brasileira ou de matriz africana é ainda mais complicada, tendo em vista o histórico colonizador da região. A oposição social contra as religiões de matrizes africanas se torna muitas vezes turbulenta em razão de uma não aceitação dos munícipes de uma crença não muito conhecida na região. Contudo, ao meu entender, somente falta uma melhor visão e estudo sobre os reais princípios das religiões de matriz africana para que a sociedade entenda os anseios por trás delas. Logo, as manifestações afro-brasileiras em Araucária, embora sejam repletas de lutas diárias, são as mesmas propagadas em todo o território nacional e reforçam as múltiplas culturas da Brasil, que devem ser respeitadas em todo e qualquer lugar em que se encontram, pois além de legítimas, são tomadas de direitos como quaisquer outras religiões”, argumenta.

Pesquisa

Essas vozes ecoam em um estudo publicado pelo Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres, escrito pela historiadora Luciane Czelusniak Obrzut Ono e pela graduanda do curso de História e Natalia Piccoli, tendo como fonte a Casa de Umbanda Vovó Maria do Congo e Pai Joaquim de Angola. As entrevistas foram concedidas a Natalia Piccoli e Juliana Tais Ferreira, em 15 de fevereiro de 2023.

O estudo destaca a importância das religiões de matrizes africanas na construção da identidade brasileira e ressalta que foram marcadas pela resistência e pela reelaboração de sua identidade em meio às adversidades históricas, como a escravização e o desamparo social. A umbanda, por exemplo, além de cultuar os Orixás, promove a conexão com os espíritos ancestrais, desafiando estigmas e buscando a valorização da cultura afro-brasileira.

Segundo o estudo, estima-se que existam em Araucária mais de 400 terreiros, casas e tendas de umbanda, locais onde os filhos de santos e os sacerdotes, chamados de pais e mães de santo, reúnem-se para expressar a sua fé.

NINA SANTOS / MAUREEN BERNARDO