Os fariseus, verdadeiros cumpridores da lei no tempo de Jesus, se escandalizavam porque os alguns discípulos do Mestre não lavavam as mãos para comer e nem para rezar. Os rabinos que eram os lideres religiosos dos judeus, pregavam a importância da purificação externa, comparando-a com a palavra de Deus. As normas dos rabinos eram rígidas, severas, não negligenciavam nenhum detalhe. Cada transgressão era tida como uma infidelidade a Deus e às tradições sagradas. O problema era a equivalência dessas tradições dos homens com os mandamentos do Senhor e a absolutização dessas práticas rituais.
Jesus se insere na linha espiritual dos profetas e dos piedosos mestres da vida religiosa do seu tempo, indica a renovação do coração e assume uma posição rígida contra a religião quando reduzida ao cumprimento de um código jurídico. Os que sublinham estas normas são chamados de ‘hipócritas’, pessoas que vestiram a máscara da religiosidade e esqueceram o essencial: o amor ao próximo. Os cristãos não desprezam nenhuma ‘tradição’, mas todas devem ser submetidas a uma verificação. Se elas estão de acordo com as exigências evangélicas ou reproduzem costumes. Acima de tudo, é preciso lembrar sempre que não se pode colocar no mesmo patamar o mandamento de Deus e as ‘tradições dos homens’. O mandamento de Deus é absoluto e não pode ser mudado. Para Jesus o que vale é um exame de consciência sobre os sentimentos que alimentamos em relação aos irmãos.
A verdadeira purificação deve acontecer de dentro para fora e não ser apenas uma preocupação com o externo. Podemos estar limpos e bem arrumados por fora, mas ‘sepulcros caiados’ por dentro, usando as palavras do próprio Jesus. É preciso purificar o nosso coração, para que seja igual ao de Jesus, cheio de compaixão e de misericórdia. Um coração manso e humilde, capaz de acolher a todos, sobretudo, aqueles mais sofridos e desamparados. Quantos corações cheios de ódio, de veneno, prontos para arruinar e para acabar com a imagem do outro. Que sentem prazer em destruir, em empurrar o outro para o precipício, alegrando-se com a sua desgraça. Este coração precisa de muita purificação, para ser capaz de amar o próximo, sem julgar ou condenar, como um juiz implacável e sem piedade.
Seguir a Jesus, diferentemente dos fariseus e rabinos, é purificar os olhos contra todo olhar condenatório e discriminatório. Um olhar sereno, terno, carinhoso, que quer o bem do irmão. Purificar os ouvidos, para que sejam capazes de escutar a quem precisa, sem dar conselhos ou normas rígidas para seguir. Abrir os ouvidos significa ser capaz de silenciar a sua própria voz, e deixar o outro falar e expressar a sua dor, seu sofrimento e suas angústias. Como temos dificuldade em entrar no mundo do outro e acolhê-lo em profundidade! Isto requer uma verdadeira purificação dos meus conceitos rígidos e fechados. Purificar as nossas mãos, para que a exemplo das mãos de Jesus, sejam capazes de ir ao encontro de quem está caído; estender a mão ao sofredor; tocar com ternura a quem está abalado pelo peso da vida; curar aquele enfermo e necessitado de perdão.
Não basta comer com as mãos limpas; é preciso comer com o coração puro e cheio de misericórdia. Mudar por dentro significa, no fundo, a exemplo de Jesus, fazer tudo única e simplesmente em vista do bem do outro. É preciso purificar o coração de toda maldade e deixar desabrochar a ternura, a candura, a compaixão e a misericórdia. Só assim poderemos construir um mundo melhor, um Reino de paz, amor, justiça e fraternidade.
Publicado na edição 1128 – 30/08/18