O caso de uma aluna celíaca da rede pública de Araucária chamou a atenção nas redes sociais após a divulgação, pela mãe da criança, de vídeos de uma reunião com representantes da Secretaria de Educação do município. A estudante de 9 anos é celíaca, não pode consumir alimentos com glúten, e por isso costuma levar as próprias refeições para a escola, preparadas em casa.

A mãe, Tayrine Novak, alega que apesar da instituição oferecer alimentos adaptados, já houve episódios de contaminação cruzada, o que comprometeu a saúde da filha. Com isso, passou a enviar lancheiras com alimentos seguros, como bolos sem glúten, o que gerou críticas de outras famílias e virou tema central da reunião, onde estavam presentes além de Tayrine, a diretora da escola, o diretor geral da Secretaria Municipal de Educação, o diretor do Departamento de Alimentação Escolar e um nutricionista do departamento.

Durante a reunião, realizada no dia 7 de abril, veio à tona uma reclamação formal de outra mãe, feita à Ouvidoria. Segundo esta mãe, o filho ficaria frustrado por não poder comer os bolos “com cobertura” levados pela colega. Toda a reunião foi gravada e publicada por Tayrine, em uma conta no TikTok. Após a publicação, a história gerou grande repercussão no país todo. Em poucos dias, o vídeo alcançou milhões de visualizações, assim como as redes sociais da mãe, ganharam milhares de seguidores.

Em suas postagens, Novak também afirma que não tem dinheiro para comprar alimentos sem glúten para filha todos os dias, por isso, prepara-os em casa. Diz ainda que para ela o mais em conta é fazer bolos de cenoura, de fubá, de cacau, entre outros. O problema é que a mãe sempre costuma mandar frutas e comidas diferentes das que estão no cardápio da escola, contrariando o que ficou combinado anteriormente. No dia do bolo de cenoura, por exemplo, o lanche das crianças era canjica.

Esclarecimento

Diante da repercussão do caso nas redes sociais, a Secretaria Municipal de Educação emitiu uma nota de esclarecimento, onde explica que a rede municipal de ensino atende atualmente mais de 18 mil estudantes, dos quais 14 são diagnosticados com doença celíaca. Para garantir o direito à alimentação segura, digna e inclusiva para todas as crianças, a Prefeitura, por meio da SMED e do Departamento de Alimentação Escolar, desenvolve um trabalho contínuo e altamente especializado, com a oferta de 46 cardápios diferentes, elaborados por nutricionistas e adaptados às mais variadas restrições alimentares — como doença celíaca, intolerância à lactose, diabetes, vegetarianismo, veganismo e obesidade, entre outras.

O objetivo dessas ações, segundo a SMED, é a preocupação com a inclusão e com a saúde alimentar dos estudantes. “Mesmo diante de realidades complexas, especialmente em regiões mais vulneráveis, em que muitas famílias enfrentam dificuldades para oferecer alimentação adequada em casa, buscamos garantir que nenhuma criança seja excluída ou sofra discriminação”, diz a nota.

A SMED explicou, através da nota, que durante a reunião foram oferecidas, de forma respeitosa, diversas alternativas à mãe da estudante celíaca, entre elas, consumir os alimentos já disponibilizados pela escola no cardápio especial para celíacos; a unidade escolar fornecer os ingredientes para o preparo doméstico; a permissão para levar alimentos de casa, de preferência semelhantes aos servidos na escola, conforme prevê a Lei Municipal nº 4.513/2024; caso não fosse possível, a criança poderia fazer as refeições em um espaço separado, considerando o contexto social – já que parte dos alunos não têm condições de levar refeições diferenciadas. “Infelizmente, a mãe da criança celíaca não concordou com nenhuma das opções sugeridas, e ao invés de procurar um entendimento que fosse razoável para todos, preferiu postar trechos da reunião nas redes sociais”, consta na nota.

A Prefeitura de Araucária informou ainda, através da nota de esclarecimento, que será aberta uma sindicância para apurar, com total transparência o relato de eventual contaminação cruzada – mesmo sem qualquer registro anterior desse tipo de ocorrência em sua rede. “Reafirmamos o compromisso com a inclusão: todas as escolas com estudantes com restrições alimentares recebem acompanhamento especializado da SMED, com cardápios específicos e orientação técnica constante. Também estão sendo planejadas ações de conscientização para pais, professores, servidores e alunos, com foco em educação alimentar, acolhimento e respeito às condições individuais”, finaliza a nota.

Ainda de acordo com a SMED, faz parte do protocolo, informar os envolvidos quando a Secretaria Municipal de Educação recebe ouvidoria sobre qualquer assunto. “Em nenhum momento foi discutido sobre processar nenhuma das mães, a própria escola e muito menos proibir este ou aquele alimento. Durante a reunião, foi lido o conteúdo da Ouvidoria e, a partir de então, tratou-se de entender o contexto, e na sequência foram discutidas durante aproximadamente mais de uma hora, várias sugestões para diminuir as dificuldades da família, apresentadas pela mãe, com relação ao cardápio específico para a criança celíaca. Destaca-se, também, que em nenhum momento houve constrangimento ou exposição tanto da escola, quanto da família, tendo em vista que a proposta era levantar sugestões, de forma coletiva, a partir da problemática surgida naquele cotidiano escolar. Assim, reduzir um debate de mais de uma hora sobre a temática, em alguns áudios editados, com propósitos diversos do objeto em questão, reduz também a possibilidade de compreensão da totalidade da situação”, justificou a SMED.

O Jornal O Popular tentou contato com Tayrine Novak através de suas redes sociais, mas não ela não retornou. Após a publicação desta matéria em nossa edição impressa, o escritório de advocacia que representa a mãe, que tem sede em Brasília, entrou em contato com nossa redação. Por esta razão, atualizamos esta matéria às 15h10, do dia 24 de abril, para incluir o posicionamento dos representantes da mãe.

À nossa reportagem eles declararam que, diante do lamentável episódio ocorrido no município de Araucária, envolvendo a Sra. Tayrine, mãe diligente de uma criança celíaca, que foi injustamente constrangida por servidores da Secretaria Municipal de Educação, manifesta o mais profundo repúdio à utilização da máquina pública como instrumento de opressão contra cidadãos em situação de vulnerabilidade e hipossuficiência econômica.

“Em vez de acolhimento, empatia, solidariedade e inclusão — princípios basilares da administração pública, especialmente no ambiente escolar —, presenciamos a distorção da função estatal em afronta direta à dignidade da pessoa humana. Reafirmo meu compromisso inarredável com a defesa intransigente da ordem constitucional, da legalidade e da efetivação dos direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição da República, especialmente àqueles que mais necessitam da proteção do Estado.”, afirmou.

Mesmo problema

No ano passado, Tayrine Novak já havia se envolvido em uma polêmica semelhante, onde o Ministério Público foi acionado, e constatou não haver nenhum problema com a alimentação fornecida pela escola à filha celíaca. Na ocasião, Novak pediu para levar os alimentos de casa, pois segundo ela, os exames da filha haviam melhorado quando ela começou a fazer isso, porém se comprometeu a observar o cardápio da escola e levar alimentos semelhantes. O que claramente descumpriu no caso do bolo de cenoura, pois o lanche do dia era canjica.

Edição n.º 1461.