A história da atriz Klara Castanho, de 21 anos, que revelou ter ficado grávida depois de ser estuprada e optou por fazer a entrega voluntária do bebê para a adoção, vem gerando reações de apoio e revolta em todo o Brasil. A entrega do bebê para adoção, que por Lei deveria ter sida mantida em sigilo, acabou se tornando pública após uma enfermeira ter vazado informações da atriz.
O episódio também levantou vários questionamentos sobre como funciona a entrega legal ou voluntária de bebês para adoção, um processo previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/1990. O promotor da Vara da Infância e Juventude de Araucária, David Kerber de Aguiar, explica que o ECA regula o procedimento de entrega espontânea para adoção, assegurando importantes direitos à criança e a genitora e que entregar o(a) filho(a) para adoção não é crime, abandonar sim. E reforçou que a entrega para adoção é um direito assegurado às gestantes.
A confidencialidade deste ato, que no caso da atriz Klara Castanho não foi respeitada, expondo sua vida e fazendo-a reviver o trauma e as dores profundas que sentiu, foi outro ponto abordado pelo promotor. “A confidencialidade é um dos pilares do procedimento de entrega espontânea, que se estende a todo e qualquer profissional que atenda o caso. Quando as informações “vazam” indevidamente, as pessoas ficam expostas a todo e qualquer tipo de críticas infundadas, mas muitos se esquecem que talvez este seja o maior ato de amor que alguém pode manifestar. O amor, em sua essência, não pode ser egoísta. Quando alguém reconhece, por qualquer razão que seja, que não terá naquele momento de sua vida condições de cuidar de uma criança, entregando-a a adoção, reconhece também que deseja àquela criança o melhor que a vida lhe pode dar, já que as pessoas ou casais aptos para adoção estão prontos para exercer uma maternidade e/ou paternidade amorosa e responsável”, argumentou o promotor.
Quem procurar
A partir do momento em que a mãe tomou a decisão de entregar legalmente o bebê, o ideal é procurar imediatamente a Vara da Infância e Juventude, Conselho Tutelar ou Ministério Público. “Não importa o estágio da gravidez, a mulher será acolhida com carinho e respeito pela equipe técnica da Vara da Infância e Juventude, com a garantia que sua decisão será apoiada, nunca questionada”, explicou Dr David.
O procedimento, de acordo com ele, é célere e simples. Com o nascimento do bebê é realizada avaliação por psicólogo(a) da Vara da Infância, visando certificar se a decisão não é fruto de eventual efeito do estado gestacional e puerperal. A ideia não é convencer do contrário, mas sim acolher a gestante e confirmar se o desejo é consciente, nada mais que isso. Após o nascimento da criança, será realizada audiência judicial para confirmação da entrega para adoção. “É uma audiência simples e acolhedora, sem o ritual de uma audiência normal. Finalizado o ato e passados 10 dias para eventual arrependimento, o estágio de entrega para adoção pela gestante está concluído. Se ela desejar apoio psicológico contínuo, a seu exclusivo critério, deve ser fornecido gratuitamente pelo poder público”, esclareceu, complementando que com o nascimento da criança, o prazo de arrependimento é de 10 dias após a audiência judicial para confirmar a entrega para adoção. Ultrapassado esse prazo, a entrega se torna irreversível.
O promotor disse ainda que as crianças, frutos da entrega legal, são encaminhadas diretamente para adoção por pessoa ou casal inscrito no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, previamente habilitados para adotar pela Vara da Infância e Juventude. “A depender do desejo da gestante, o casal ou pessoa pode, inclusive, após o nascimento, receber a criança diretamente no hospital”, elucidou.
O promotor também ilustrou que Araucária tem, em média, quatro entregas para adoção por ano.
Acolhimento
O Conselho Tutelar de Araucária esclareceu que recebe uma grande demanda de pedidos nesse sentido, e que a função do órgão é acolher, proteger e instruir as mães e encaminhá-las para a Vara da Infância e Juventude, para os trâmites legais. “É tudo muito sigiloso, desde a chegada dela aqui no Conselho, a escuta, quando ela manifesta o desejo da entrega da criança para adoção, até o início do processo. Inclusive no próprio hospital onde ela dará à luz, toda a equipe é orientada quanto à necessidade do sigilo absoluto. Às vezes também nos deparamos com algumas questões de juízos de valores, mas sempre conseguimos contornar isso e tanto a mulher quanto a criança têm seus direitos resguardados”, explicou o Conselho.
O órgão reforça que a entrega legal é um ato de amor, mas ao mesmo tempo, carrega histórias de muita dor e sofrimento. “Não é fácil entregar um filho para adoção, sempre existe uma história de dor e de tristeza por trás disso. As mulheres chegam chorando, às vezes com uma história de violência, de abuso, de abandono, de muito sofrimento. Mas elas reconhecem que neste momento, não possuem condições ou capacidade para dar aos filhos(as) o que eles(as) precisam”, destaca.
O Conselho Tutelar reforça que as mulheres, quando decidem pela entrega legal, geralmente estão muito vulneráveis, e quando procuram o órgão, acabam encontrando segurança, porque sabem que serão acompanhadas e protegidas durante todo o processo. “Sabemos que existem pessoas com má intenção, que tentam corromper as mulheres que estão nessa situação, e isso não é correto. Toda doação ou mesmo negociação fora do que prevê o ECA, é crime”, alerta o Conselho.
Texto: Maurenn Bernardo