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Historiador fala da importância de manter viva a memória do povo negro em Araucária

Mural na Praça Vicente Machado, sobre a história de Araucária, mostra a presença do negro. Foto: divulgação
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Historiador fala da importância de manter viva a memória do povo negro em Araucária
Mural na Praça Vicente Machado, sobre a história de Araucária, mostra a presença do negro. Foto: divulgação

Celebrado desde 2003, o Dia da Consciência Negra homenageia Zumbi, líder do Quilombo de Palmares, morto no dia 20 de novembro de 1695. Para abrir o mês marcado pela memória de luta e do orgulho negro, o Jornal O Popular convidou o professor de História do Colégio Estadual Professor Júlio Szymanki e coordenador de Ensino de História da Secretaria Municipal de Educação, Rafael de Jesus Andrade de Almeida, para contextualizar você, leitor, sobre a realidade enfrentada pelos afroamericanos e afrodescendentes em Araucária, desde os anos de escravidão até os dias atuais.

O professor inicia seu relato, lembrando que um dos documentos mais antigos conhecidos sobre a história de Araucária é uma petição elaborada pelos moradores de Tindiquera e Campo Redondo em 29 de outubro de 1823. Por ocasião da Independência do Brasil, os moradores solicitavam ao governo a elevação da localidade à categoria de Freguesia. “Naquele tempo nossa terra contava com 1.128 almas, sendo que dessas, 78 eram escravizadas. Um dos fazendeiros relacionados possuía 13 escravizados. É preciso esclarecer que em Araucária nunca existiram muitas pessoas escravizadas. No censo populacional realizado em 1854, por ocasião da emancipação do Paraná (19/12/1953), dos 1652 habitantes da capela do Yguassú, 71 eram negros escravizados. Por ser relativamente pobre, poucos possuíam recursos para adquirir a mercadoria mais cara do país. Sabe-se também, que desde tempos remotos, recorria-se à escravização dos povos indígenas. Como podemos observar a partir de uma análise mais profunda de algumas certidões do primeiro livro do Cartório da Freguesia do Iguaçu”, explica.

Rafael lembra que atualmente, além do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres, outros dois lugares em Araucária mantêm documentos históricos esclarecedores sobre a vida dos negros em terras araucarienses no século XIX, os arquivos do 1º Tabelionato de Notas de Araucária (o antigo Cartório Pimpão) e os livros de batizado da Capela do Yguassu.

Uma praça para Maria Agueda

O professor Rafael diz ainda que é impossível falar da história dos negros em Araucária, sem lembrar de Maria Águeda, mulher mulata, pobre, livre e corajosa, que em 15 de agosto de 1804 afrontou duas mulheres, ambas filhas e esposas das famílias mais poderosas da região. “Simplesmente ela se recusou a buscar brasas para que as digníssimas senhoras pudessem acender seu aquecedor, afinal era inverno e manter os corpos fidalgos em condição de total conforto, algo esperado de todos aqueles que estavam na base da escala social”, disse.

Maria Águeda morava em Araucária, era casada e tinha na época 3 filhos. Por ter se recusado a obedecer às ordens da mulher do Capitão Mor da Vila foi levada à prisão onde sofreu uma série de arbitrariedades. “Em artigo do professor da UFPR Magnus R. de Mello Pereira, publicado pelo Centro Cultural Humaitá, lançou-se a ideia de se criar uma praça em homenagem à Maria Águeda, aqui em Araucária. De acordo com o renomado professor, homenagear Maria Águeda, dando seu nome a uma praça, é reverenciar a firmeza de caráter de uma mulher do povo, mulata e pobre, como a maior parte da nossa gente. Por si só, esse gesto não compensa o secular costume de homenagear apenas os integrantes das elites locais. Praça Maria Águeda é apenas um logradouro contra milhares de outros a quem foi dado o nome de pessoas da elite, muitas delas de indiscutível aceitação, outras nem sempre meritosas, como ditadores truculentos ou presidentes americanos que financiaram a quebra da democracia no Brasil”, cita.

O importante papel do COMPIR

Ainda dentro do contexto de lutas e políticas públicas em defesa dos direitos da população negra, em 1º de novembro de 2018 foi criado em Araucária, pela lei municipal número 3.380/2018, o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial -COMPIR. “Muito tempo aguardado, o Conselho tem por missão maior, na letra da lei, garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica e racial. Dentre as 20 competências do COMPIR, está a de zelar pela diversidade cultural da população paranaense e araucariense, especialmente pela preservação da memória e das tradições africanas e afro brasileiras, constitutivos da formação histórica e social da população local e regional”, ponderou o professor Rafael.

Ele relembra que durante a cerimônia que sancionou a lei, realizada no Salão Nobre da Prefeitura, o prefeito Hissam Hussein Dehaini, lembrou a todos os presentes da importância do Conselho à luz da história de Araucária, onde muitos dos seus moradores sofreram e sofrem com o preconceito étnico-racial. “Na ocasião, Hissam relatou uma lembrança que marcou sua consciência, de que há cerca de 30 anos, havia um gerente negro na agência do Banestado da cidade e, do nada, ele foi transferido. Quando perguntou o motivo, lhe disseram que era por conta da cor dele. Muitas pessoas brancas simplesmente não gostavam dele só porque ele era negro e pediram para que ele fosse transferido (O Popular, 12/11/18)”, citou Rafael.

Para o professor, a necessidade de uma lei que cria um conselho especializado na luta contra a desigualdade étnico-racial diz muito sobre a história de Araucária, do Paraná e do País. “Especialmente quando se percebe que essa lei tem uma preocupação maior com um grupo específico, os negros e afrodescendentes”, arremata.

Texto: Maurenn Bernardo e Katty Ferreira

Publicado na edição 1286 – 04/11/2021