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No Costeira, Dona Izabel mantém viva a tradição do benzimento

No Costeira, Dona Izabel mantém viva a tradição do benzimento

Quem nessa vida não passou pelo menos uma vez em uma benzedeira? Dá pra contar nos dedos quem nunca se benzeu para curar as dores do corpo e da alma. O benzimento é uma tradição que resiste ao tempo. E a benzedeira é aquela figura detentora de um saber ancestral, capaz de curar praticamente tudo, ela está presente na memória de muita gente.

Em Araucária, Divina Izabel Machado, mais conhecida como Dona Izabel, de 73 anos, já perdeu a conta de quantas pessoas ajudou através do poder do benzimento. “Olha filha, eu tô há 30 anos nesse ofício, é quase metade da minha vida. E se você me perguntar se um dia sonhei em ser benzedeira, eu te digo sinceramente que não. Relutei muito antes de aceitar que eu tinha esse dom. Já atendi tanta gente, com tantos problemas diferentes, que nem consigo contar. As pessoas vêm aqui buscando cura para problemas de saúde, situações financeiras, mau olhado, benção pra encontrar um emprego, salvar o casamento ou achar seu grande amor, e tantas outras situações. E eu atendo todo mundo e faço o que está ao meu alcance”, relata.

Cada benzedeira tem o seu método particular de benzer. Algumas usam terços, outras preferem um galho de arruda ou outras ervas. Há ainda aquelas que usam da conversa, de uma massagem ou de um simples abraço. Dona Izabel conta que no começo também usava arruda e outras ervas, hoje em dia ela utiliza apenas a imposição das mãos e faz o sinal da cruz. “O mais importante é ter fé e conexão com quem está buscando auxílio. Quando pergunto por que a pessoa veio até mim, ali já vai acontecendo o acolhimento e um momento de profunda compreensão”, diz a benzedeira.

Um chamado divino

Sempre que alguém pergunta para Dona Izabel porque demorou tanto para aceitar seu dom de benzedeira, ela faz questão de relembrar o motivo que a fez mudar de ideia. E foi na pequena sala anexa à sua casa, no bairro Costeira, onde faz seus benzimentos, que Dona Izabel recebeu a reportagem do O Popular para contar sua história. “Olha filha, meu padrinho e mais a madrinha Odete vinham sempre aqui fazer oração e falavam pra mim que eu seria benzedeira. Naquela época eu não sabia rezar, não sabia nem fazer o sinal da cruz, não ia na igreja, só mesmo quando tinha que batizar um afiliado. Pra mim, tudo aquilo não passava de uma mentira. E meus padrinhos continuavam vindo e insistiam, dizendo que não adiantava eu correr de algo que já estava escrito pra mim. Quando eu levava minha neta pra benzer, várias vezes ouvia que ela estava doente porque eu tinha que desenvolver (o dom). Eu sempre respondia que jamais ia ser benzedeira. Depois fui em outra benzedeira bem conhecida na cidade, confiava demais nela, quando eu não ia na casa dela, ela vinha na minha. Nesse meio tempo o padrinho Valdomiro já tinha morrido. Então um dia eu estava muito doente e essa mulher veio me benzer, plantou um pé de arruda na minha casa e disse que quando ela morresse, eu assumiria o dom dela de benzer. Mais uma vez falei que não queria aquilo pra mim. Ela insistiu, dizendo que eu tinha o dom pra ajudar, igual a ela”, recorda Dona Izabel.

Mas a medida em que vai nos contando sua história, Dona Izabel vai se emocionando cada vez mais, pois sabe que está chegando no ponto mais importante, que foi quando decidiu de vez aceitar o dom do benzimento. “Então filha, como eu ia dizendo, em maio essa benzedeira, que eu considerava uma mãe, morreu. Quando foi em dezembro, chegou na minha casa um senhor muito bonito, com uma criança ainda mais linda no colo, pedindo que eu a benzesse. Eu fiquei até nervosa, tratei o homem mal, disse que não sabia benzer e tampouco rezar. Ele insistiu tanto que eu até perdi a paciência. O homem falava que o filho estava desenganado e eu dizia que nunca tinha benzido ninguém na minha vida. Ele já estava virando as costas e saindo, quando tive uma sensação estranha, que até hoje não sei descrever. Só sei que o chamei e mandei que entrasse. Então peguei aquela criança no colo, mesmo sem saber o que fazer. Coloquei a mão na cabeça do menino e pedi pra Deus me guiar, falei pra Ele que não sabia benzer, não sabia rezar, e disse que a criança estava nas suas mãos. Minhas mãos estavam sobre a cabeça da criança naquele momento. Depois disso o homem foi embora, voltou mais duas vezes, porque o benzimento tem que ser feito três dias. Depois eu nunca mais o vi, simplesmente desapareceu. Só sei que aquela história se espalhou, e mesmo eu pedindo para as pessoas não virem, elas vinham na minha casa. Eu me escondia, não atendia, porque ainda relutava em benzer. Cheguei até colocar uma placa ali na frente de casa, explicando que eu não era benzedeira. Quando fiz isso, fiquei 3 dias sem voz e quase dois meses de cama, ninguém descobria o que eu tinha, as pessoas vinham aqui orar por mim”, relembra.

Dona Izabel prossegue com sua história, lembrando que um dia suas filhas precisaram sair de casa e ela ficou um tempinho sozinha. “Fiquei chorando muito, não podia falar, mal me mexia na cama, eu estava bem doente. Daí recebi uma espécie de aviso, não sei dizer bem o que foi, de que eu deveria tirar aquela placa, então praticamente me arrastei até o local e fiz isso. No outro dia minha voz voltou, eu levantei da cama e estava bem melhor. Hoje eu creio que aquilo foi mesmo um aviso, dali em diante comecei a benzer e nunca mais parei. Não sei que mistério foi aquele, porque depois disso aprendi a rezar, aprendi a amar a Deus e comecei a benzer as pessoas. Creio que aquele homem que veio com a criança desenganada era um anjo que Deus me deu”, confessa a benzedeira.

No começo, Dona Izabel também teve que enfrentar o preconceito da Igreja, que a discriminava, bem como de algumas pessoas que não acreditavam em benzimento. “Minha família não me apoiou, mas com o tempo viram que eu sentia prazer em ajudar as pessoas. Comecei a benzer usando ervas, raízes, eu também fazia garrafadas, hoje não faço mais nada disso e benzo apenas usando minhas mãos. Estou adoentada, em tratamento contra vários problemas de saúde, mas continuo firme com meus benzimentos, só tive que reduzir o ritmo. Antes atendia todos os dias, não tinha hora pra começar e nem pra parar. Hoje atendo três vezes na semana e de vez em quando atendo uma pessoa que me procura com um problema muito urgente, que não dá mesmo pra esperar”, diz.

Os atendimentos da benzedeira Izabel acontecem nas quartas, quintas e sextas-feiras, das 14h30 às 17h, com hora marcada. Ela não cobra pelo benzimento, mas recebe muitas gratificações espontâneas e presentes de pessoas que tiveram a graça alcançada. “Ah, filha, se eu contar pra você que isso aqui é sempre cheio, atendo gente de tudo que é canto do Brasil, principalmente crianças. Por intermédio de Deus, eu tenho ajudado muitos, não tenho salário, só tenho a benção divina e a ajuda de quem me procura, da mesma forma que Deus ajudou seu povo”, declara.

Ninguém ensinou Dona Izabel a benzer, tudo que sabe aprendeu sozinha. “Eu benzo peito aberto, doença de míngua, mau olhado, quebrante, susto, lombriga atacada, cobreiro, ar nas vistas, dor de cabeça, dor nas pernas, ferida brava. As pessoas também me procuram pedindo benção pra tirar carteira de motorista, encontrar um serviço e muitas outras coisas. Um dia uma pessoa chegou aqui na cadeira de rodas, eu a benzi e no outro dia ela chegou andando. Foi uma alegria tão grande pra mim, ela estava emocionada, me abraçou e choramos juntas. Eu disse que não fiz nada, foi Deus que fez a obra dele”, afirma.

A benzedeira sabe que não vai ter sucessoras, pois as filhas não querem seguir pelo mesmo caminho. “Eu sempre brinco que elas vão ficar no meu lugar, mas elas dizem que não querem saber disso. Só que eu mudei minha opinião e aceitei meu dom!”, diz.

Foto: Marco Charneski.

Edição n.º 1377

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