A população em situação de rua representa uma triste realidade em Araucária. Essas pessoas vulneráveis enfrentam uma série de desafios complexos que vão desde a falta de moradia até problemas de saúde mental e vícios em álcool e drogas. Mas o que causa esse problema social, quais os obstáculos enfrentados por esses moradores em situação de rua e quais seriam as soluções potenciais para ajudá-las a reconstruir suas vidas? São justamente as respostas para estas perguntas que o Jornal O Popular foi buscar junto às secretarias de Assistência Social e Saúde e forças policiais.

Um episódio recente ocorrido em Araucária, no qual um morador em situação de rua ateou fogo em outro colega que vivia nas mesmas condições, e que veio a óbito dias depois, provocou questionamentos entre a população, dividindo opiniões a respeito de como o Município deve intervir para tentar sanar este problema social urgente.

A coordenadora da Proteção Social Especial de Alta Complexidade da Secretaria Municipal de Assistência Social, Wania Wolff, afirma que o papel do poder público é ofertar vários serviços para atender esta população, no intuito de construir um processo de saída das ruas, para que essas pessoas possam ter autonomia e dignidade e consigam dar continuidade a sua vida, não ficando mais nas ruas expostos e envolvidos com diversas práticas ilícitas.

“Ao buscar nosso atendimento ou entrar na Casa de Passagem, o morador em situação de rua tem que ter um propósito de vida, de mudança e superação da sua atual condição. Nem sempre é fácil, pois alguns já estão crônicos, possuem vinculações com questões terríveis, ainda assim trabalhamos com nossas equipes para tentar superar isso. É evidente que isso passa pela vontade dessa pessoa em fazer essa adesão, seguir todo um programa, e fazer isso com quem está acostumado a viver sem regras, é um desafio muito grande. Por isso precisamos trabalhar em conjunto com a saúde pública, Polícia Militar, Guarda Municipal e oferecermos opções de emprego, para que a pessoa possa ter renda e também ampará-lo na questão de habitação. Mas diante de tudo isso, a proposta final é que ele consiga superar essa condição e saia da rua”, afirma a coordenadora.

O número de pessoas em situação de rua em Araucária é dinâmico e pode variar devido a fatores como migração, mudanças socioeconômicas e a própria natureza transitória desse grupo. Segundo os últimos levantamentos da Secretaria Municipal de Assistência Social, aproximadamente 255 pessoas passaram pelo município entre 30/08/2024 e 07/03/2025. No entanto, a população em situação de rua apresenta um caráter rotativo e volátil, tornando os números sujeitos a constantes alterações.

Atualmente, estima-se que entre 35 e 40 pessoas frequentem o Centro Pop diariamente, onde têm acesso à alimentação, higiene e suporte para reinserção social. Os dados são atualizados periodicamente por meio de abordagens sociais e registros nos serviços de acolhimento. O mapeamento mostra que há também 22 usuários que não aceitam acessar estes serviços.

RAZÕES PARA VIVER NA RUA

A SMAS explana que as razões para uma pessoa estar em situação de rua são diversas e podem envolver uma combinação de fatores, como vulnerabilidade social e econômica, incluindo desemprego e falta de moradia acessível; conflitos familiares e rompimento de vínculos; dependência química ou transtornos mentais, que dificultam a reinserção social; violência doméstica, levando muitas pessoas, especialmente mulheres e jovens, a buscarem as ruas como refúgio; passagem por instituições (prisões, abrigos, hospitais psiquiátricos) sem suporte adequado para reintegração à sociedade.

“Vale ressaltar que, na maioria dos casos, viver nas ruas não é uma escolha, mas sim a consequência de múltiplas vulnerabilidades”, observa Wania.

REDE DE PROTEÇÃO

Em Araucária existe uma rede de proteção social voltada ao atendimento da população em situação de rua. Os principais serviços oferecidos incluem:

Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP), que oferece atendimento social, alimentação, higiene e apoio na reintegração familiar e profissional;

Unidade de acolhimento que disponibiliza pernoite, alimentação, atendimento psicossocial e encaminhamentos para outros serviços;

Abordagem social, realizada por equipes que buscam identificar e atender essa população nas ruas;

Redomiciliamento através do Programa Moradia Primeiro;

Consultoria na rua, equipe que faz busca ativa para atendimentos de saúde;

Encaminhamento para tratamento de saúde e dependência química, quando necessário;

Cadastro Único para acesso a programas sociais (exemplo Bolsa Família);

Apoio na emissão de documentos para facilitar o acesso a benefícios e programas sociais.

Atualmente, os centros de acolhimento do município contam com 25 vagas destinadas à população em situação de rua. Nesses locais, os acolhidos têm acesso a alimentação diária; banho e itens de higiene pessoal; dormitórios seguros; atendimento psicossocial e suporte para reinserção social; encaminhamentos para saúde, qualificação profissional e assistência jurídica, quando necessário.

O acolhimento é oferecido de forma voluntária, respeitando o direito da pessoa de aceitar ou recusar o serviço. Ainda conforme a condição do morador atendido, são feitos encaminhamentos para outros serviços, como cursos de qualificação profissional, em parceria com instituições públicas e privadas; intermediação para vagas de emprego, por meio do SINE; encaminhamentos para tratamento de saúde, incluindo atendimento médico, psicológico e psiquiátrico; atendimento em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) para aqueles que necessitam de acompanhamento especializado, principalmente em casos de dependência química ou transtornos mentais.

“Os dados sobre reinserção social variam de acordo com o perfil de cada pessoa e seu grau de envolvimento nos serviços oferecidos. Em Araucária, de acordo com um levantamento realizado pelo Centro Pop, entre 2022 e 2024, aproximadamente 50 pessoas conseguiram superar a situação de rua em Araucária. Esse dado evidencia o impacto positivo das ações da rede de proteção social e reforça a importância de um atendimento especializado, interdisciplinar e intersetorial, focado na promoção da autonomia e na reconstrução dos vínculos sociais. No entanto, a reincidência ainda é um desafio, especialmente entre aqueles que enfrentam dependência química ou não possuem vínculos familiares estruturados. Por isso, o acompanhamento contínuo é fundamental para garantir a efetividade do processo de reintegração”, pontua Wania.

TRABALHO DE ABORDAGEM

A abordagem social dos moradores em situação de rua é realizada por equipes especializadas, que percorrem áreas públicas onde há concentração de pessoas em situação de rua e em roteiros planejados, buscando identificar as situações de risco, estabelecer vínculos, compreender as necessidades individuais e oferecer suporte para superação da condição de rua.

“O acolhimento e os serviços oferecidos não são compulsórios, ou seja, a pessoa tem o direito de aceitar ou recusar o atendimento, sendo mais complexo quando a situação de rua está associada ao uso de substâncias psicoativas. Entretanto, as equipes realizam acompanhamentos constantes, tentando fortalecer o vínculo e incentivar a adesão aos serviços disponíveis”, ilustra a coordenadora.

PROBLEMAS PARA OUTROS MORADORES

De acordo com a Assistência Social, moradores em situação de rua que tem feito adesão aos serviços ofertados pela Assistência social estão cotidianamente envolvidos em atividades no Centro Pop e à noite pernoitam na Casa de Passagem, não estando nas ruas e comércios. “Porém, recebemos reclamações constantes em relação aqueles usuários que não acessam os serviços da Rede, tanto da Assistência Social quanto da Saúde, quando estão aglomerados e fazendo uso de bebida alcoólica e outras drogas. Deste modo, as reclamações mais comuns versam sobre perturbação do sossego, desrespeito a transeuntes em geral, permanência em espaços públicos de uso coletivo deixando em péssimas condições de higiene e salubridade, prática de mendicância, depredação do patrimônio. A Assistência Social atua nessas situações por meio de abordagens sociais e tentativas de encaminhamento dessas pessoas para serviços de assistência social e saúde. Quando há conflitos mais graves, o trabalho pode ser realizado em conjunto com a Guarda Municipal e outras instituições”, explica Wania.

Ela reforça que a população pode acionar a Assistência Social sempre que identificar uma pessoa em situação de rua que necessite de ajuda, especialmente em casos como: pessoas em condições de extrema vulnerabilidade e negligência, sem acesso à alimentação ou abrigo; idosos, crianças ou pessoas com deficiência em situação de rua. O contato disponível para acionamento do Serviço de Abordagem Social em Araucária é pelo telefone 0800 642 5250. Além disso, a população pode entrar em contato com a Guarda Municipal ou Polícia Militar em casos de emergência.

CUIDADOS COM A SAÚDE

Para atendimento dos moradores em situação de rua, a Secretaria Municipal de Saúde oferece o serviço de Atenção Primária, através do Consultório na Rua, das 8h às 20h, para promoção e prevenção em saúde, que percorre todo o município. Na equipe trabalham enfermeiro, terapeuta ocupacional e técnico em saúde bucal, e através desse serviço na rua são agendadas consultas médicas, realizados curativos, entre outros.

Segundo o Departamento de Atenção à Saúde (DAP), os principais problemas apresentados pela população de rua estão relacionados a lesões de pele, saúde mental e Infecções Sexualmente Transmissíveis.

“A população em situação de rua frequentemente se afasta dos serviços de saúde devido a uma combinação de fatores, como o estigma social, a falta de confiança nas instituições, e o medo de discriminação por parte dos profissionais do setor. Além disso, muitos enfrentam barreiras práticas, como a dificuldade de locomoção, a ausência de documentação necessária e a falta de informações sobre os serviços disponíveis. Importante destacar que o Município está buscando maneiras de atender melhor a esta população, e também estruturou o CIAMP – Comitê de Acompanhamento da Política para Pessoas em Situação de Rua, visando a criação de novas políticas públicas”, apontou o DAP.

O PAPEL DAS FORÇAS POLICIAIS

A Polícia Militar de Araucária orienta a população sobre quando deve ser acionada pelo fone 190, em situações que envolvem moradores em situação de rua. “A PM pode ser acionada sempre que houver um caso que envolva ameaça à segurança pública, perturbação da ordem ou risco à integridade física”, diz o comandante da 2ª Cia, 1º Tenente Francimar de Moraes Zamierowski.

Segundo o Tenente, entre essas ocorrências estão as situações de violência – casos de agressões entre moradores de rua ou contra outras pessoas, ameaças, furtos, roubos ou qualquer crime que envolva violência; comportamento agressivo ou ameaçador – quando um morador de rua estiver em estado de agressividade, ameaçando pessoas ou causando medo à população; uso ou tráfico de drogas – quando há consumo ou venda de entorpecentes em locais públicos, principalmente em situações que causem transtornos à ordem pública.

A PM ainda pode ser acionada nos casos de danos ao patrimônio – quando moradores de rua estiverem depredando bens públicos ou privados, como quebrando vidraças, bancos de praças, invadindo propriedades, etc; obstrução de vias e entradas de estabelecimentos – caso haja impedimento da circulação de pessoas ou veículos, dificultando a mobilidade urbana. “A Polícia Militar também atua em conjunto com outros órgãos, quando for necessário um trabalho integrado, a exemplo da assistência social e da saúde, em situações que envolvem riscos para o próprio morador de rua ou terceiros”, explica o comandante.

Ele salienta que nem todas as situações que envolvem moradores de rua necessitam da intervenção policial. Nos casos onde as pessoas estão apenas dormindo em espaços públicos sem perturbar a ordem, nos pedidos de esmolas ou permanência em locais públicos sem causar problemas, o mais indicado é acionar a Assistência Social do município ou o CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), que têm equipes treinadas para lidar com essa população de forma mais adequada. Para acionar a PM, basta ligar para o fone 190.

A Guarda Municipal também trabalha em sintonia com a rede de atendimento à população de rua, e pode ser acionada nas mesmas situações citadas pela PM, exceto em casos onde o morador em situação de rua não esteja causando problemas, apenas permanece em determinado local. A população poderá acionar a GMA pelos fones 153 e 3614-1798 ou pelo aplicativo 153araucária.

Edição n.º 1457.