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Professor Rafael Jesus: A carapuça de Marianne

Foto: Divulgação

Das moedas de vários países às mascotes dos Jogos Olímpicos de Paris de 2024, Marianne e o seu inconfundível barrete frígio (a carapuça usada pelos revolucionários republicanos que decapitaram o homem mais poderoso da terra em 1793, o rei Luís XVI) ainda hoje despertam paixões e ódios.

Ferdinand Victor Eugène Delacroix (1798-1863) é considerado o mais importante representante do romantismo francês, embora o próprio pintor não se reconhecesse assim. Em 1830 pintou o quadro “La Liberté guidant le peuple” por se sentir culpado por sua pequena participação na Revolução de Julho de 1830, ocorrida nos dias 27, 28 e 29 e que ficaram conhecidos como Os Três Gloriosos. Em apenas três dias os franceses levantaram mais de 6 mil barricadas e derrubaram o rei que tentava restabelecer o absolutismo na França, Carlos X.

Em uma carta enviada para seu irmão, Delacroix afirmou: “ainda que eu não tenha lutado pelo meu país, no mínimo terei pintado por ele.” Por isso pintou a si mesmo como se tivesse participado do movimento revolucionário de 1830, uma espécie de segundo tempo da Revolução Francesa. Comprada pelo governo francês em 1831, a mais conhecida obra do pintor foi, por muito tempo, poucas vezes exibida ao público por ser considerada panfletária demais. Ficava evidente às autoridades o quão impressionante era, e ainda é, para seus espectadores. O quadro encontra-se exposto no Museu do Louvre desde 1874. A pintura inspirou a Estátua da Liberdade dos Estados Unidos (1876) em Nova York e a Efígie da República Brasileira, presente nas nossas cédulas e moedas de reais.

Marianne, a belíssima mulher que guia o povo é uma figura alegórica que, ao ostentar o barrete frígio, personifica os ideais do iluminismo levados às últimas consequências pela Revolução Francesa (1789-1799): liberté, égalité, fraternité. A mensagem é clara: em nome da liberdade, contra a opressão, se necessário for, executaremos os mais poderosos governantes da terra e todos os seus apoiadores!

Naquele tempo, governantes autoritários do mundo todo temiam os abomináveis princípios franceses. Aqui na América, a Revolução Haitiana, inspirada em muitos desses ideais, tinha deixado muita gente apavorada, especialmente no Brasil, maior plantel escravocrata do planeta. Imagina o quadro de Delacroix numa versão tupiniquim de pessoas pretas e pardas! As revoluções europeias iriam parecer um piquenique!

Poucos se dão ao serviço de identificar o barrete frígio sobre a cabeça da efígie em nossas cédulas e moedas de reais. As nossas elites temem o conhecimento, não querem que você saiba quem é a figura feminina que frequenta nossas carteiras.

A efígie representa a República e foi adotada por influência dos positivistas que, com a Proclamação da República em 1889, ocorrida justamente no centenário da Revolução Francesa, procuravam fabricar um novo imaginário político para o Brasil. A nossa efígie brasileira chama-se Mariana, também conhecida como A República. O barrete ainda pode ser encontrado estampado em muitos brasões e bandeiras de municípios e estados brasileiros. Na época da Primeira República a mensagem, veiculada em revistas e jornais, era de que a jovem República Brasileira estava se inspirando nos ideais republicanos da sua irmã mais velha, a República Francesa. Nada mais distante da realidade.

É óbvio que todos aqueles que nunca concordaram com os ideais republicanos, sempre pintaram a República como sendo uma meretriz, que se entrega com volúpia ao seu governante de plantão, seja ele um ditador, um populista ou simplesmente um demagogo.

Recentemente, o barrete frígio serviu como inspiração para a criação das mascotes dos Jogos Olímpicos de Paris de 2024, conhecidas como Phryges. As mascotes Phryge Olímpica e Phryge Paralímpica carregam no seu olhar desafiador os ideais republicanos de liberdade e soberania popular da Revolução Francesa. No caso da Phryge Paralímpica, por apresentar uma deficiência visível em uma das pernas, a mensagem de inclusão é evidente.

As crianças irão ganhar os seus mascotes, resta saber se alguém vai ajudá-las a saber um pouco sobre o seu real significado.

IMAGENS: Iniciando pela esquerda no sentido horário: Luís XVI no cadafalso de autor desconhecido; Delacroix; A Liberdade Guiando o Povo; Cédula de Cem Reais; A República Francesa reconhece a República Brasileira; as mascotes Phryge Olímpica e Phryge Paralímpica.

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