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Os recentes desastres ocorridos em grandes cidades brasileiras, provocados pelas chuvas parecem ter democratizado o caos. Em situações passadas as vítimas eram quase sempre moradores periféricos, muitos residentes em área de risco, ocupações irregulares e áreas de menor prestigio imobiliário. É como se as águas acumuladas nos grandes centros, muito bem impermeabilizados, corressem estourando sempre nas mesmas regiões, gerando inundações, desmoronamentos, perdas materiais e até humanas. Mas até aí tudo estava dentro da normalidade, gente simples perdendo mobília barata, pobre passando por mais um perrengue, gente sofrida morrendo, ou seja, nada de novo.

A retórica dos governantes, que até então sustentava um discurso discriminatório e elitista, responsabilizava a própria vítima, insinuava que por mero mal gosto ou por falta de mérito os desafortunados escolhiam mau o local da moradia e ainda descartavam lixo no leito do rio. O argumento fácil não cabe mais, não dá conta de justificar o colapso quase generalizado, não pode ser usado para culpar as vítimas bem-nascidas.

Mas agora, dia de tempestade é assim, o pânico, a insegurança, os prejuízos e as fatalidades deixam de ser apenas conteúdo televisivo, protagonizado pelos segregados do Estado e passam a fazer parte também da vida de quem estava acima da linha da pobreza. Como diz o ditado, “um dia a água bate…”

Obviamente não há a intenção de comemorar a tragédia de ninguém, mas sim de romper com o discurso vazio e a prática criminosa que transfere as consequências para as pobres gerações futuras, bom, parece que já chegamos na ponta do iceberg, logo, é urgente a necessidade de reforma urbana, reforma essa que precisa mais de desconstrução do que de novas obras. É preciso frear a lógica das cidades pensadas apenas para o lucro e pensá-las de fato para seus munícipes, menos para a especulação imobiliária e mais para o uso comum da terra, menos para as calçadas e mais para os jardins de chuva.

Por fim, segue minha sincera solidariedade aos atingidos pelas enchentes e meu sonoro repúdio aos planejamentos urbanos que vêm a natureza como empecilho para lucrar mais. As cidades não pertencem aos carros, elas pertencem a nós e principalmente aos que virão. Zelemos!

Publicado na edição 1200 – 20/02/2020

Cidades Submersas
Cidades Submersas 1

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