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Professor Rafael Jesus: Os segredos da erva-mate – Parte 2 de 2

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Aqui em Araucária e de um modo geral por toda nossa região, as condições de trabalho dos indígenas e negros, caboclos e colonos, luso-brasileiros e hispânicos, dedicados à economia ervateira, pouco mudaram ao longo de muitos anos. Antes de chegar aos engenhos o beneficiamento da erva-mate já havia passado por quatro etapas, a saber: corte, sapeco, secagem e cancheamento.

O trabalho da coleta começava e em muitos lugares da nossa região ainda hoje começa logo pela manhã, após o sol secar o orvalho das folhas. O corte dos ramos é feito na diagonal por meio de instrumentos como facões, foices e tesouras. Logo a seguir os ramos são submetidos ao sapeco. Ao tostar levemente a erva evita-se que ela fermente, assim, desidratada, ela fixa cor e sabor. Ainda no mesmo dia ela deverá ser levada ao barbaquá onde a erva passa pelos processos de secagem e cancheamento. Na secagem a erva-mate é submetida por meio de um duto subterrâneo ao calor de uma fogueira. No cancheamento a erva-mate é triturada por um cancheador movido por força motriz animal.

Durante muito tempo essa erva-mate cancheada era embalada em sacos e transportada até os engenhos em Curitiba por carroções que vinham da Lapa. O beneficiamento feito nos engenhos transformava a erva-mate em um produto de qualidade superior. Acondicionada em barricas, com lindos rótulos na tampa, a erva-mate era transportada de trem até Paranaguá, donde ganhava os mercados do Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile.

Em depoimento concedido à historiadora Roseli T. Boschilia da Universidade Federal do Paraná, em 1989, o senhor José Knopik nos ajuda a entender um dos arranjos econômicos mais importantes de toda nossa história. Nas palavras do Ssenhor José:

“Os caboclos lidavam com erva. Vendiam a produção para Bento Luís França [dono de uma grande casa comercial em Guajuvira de Cima]. Por volta de 1935, meu pai adquiriu uma área de erval onde existia um carijo e então resolveu construir um barbaquá. Meu tio Leonardo Knopik também tinha um barbaquá que foi construído uns dois anos antes. Trabalhavam paralelamente com erva e lavoura. O corte da erva era feito antes do inverno porque os brotos não podiam pegar geada. Depois os galhos eram empilhados num lugar limpo e era feito o sapeco. Faziam um fogo e passavam rapidamente os galhos sobre ele. A erva sapecada era descascada e transportada até o barbaquá para secar. Lá a erva era malhada através de tração animal e finalmente era peneirada e ensacada (…). No começo meu pai vendia a produção para Bento Luís de França. Depois a erva era vendida para os russos brancos de Mariental. Vinham buscar a erva com carroças de quatro cavalos e entregavam em Curitiba. Havia dias que as carroças faziam longas filas na estrada. Em época de chuva levavam até quatro dias para ir a Curitiba descarregar e voltar(…). Toda a produção era vendida. Meu pai reservava apenas uma parte para o consumo da família(…) aprendemos a tomar chimarrão com o pessoal daqui e nós conservamos o hábito até hoje (…) o barbaquá funcionou até 1945. Hoje está no museu Tingüi-Cuera (ARAUCÁRIA). ”

Desde tempos imemoráveis até os dias de hoje, podemos observar entre uma cuiada e outra, um acúmulo de histórias, um encontro de povos, culturas e lembranças. Para os mateadores, quando reunidos entre amigos, vizinhos e familiares, compartilhar a hora do chimarrão é compartilhar causos e preocupações, alegrias e realizações. Para os mateadores mesmo os pequenos gestos são provas de respeito, amizade e hospitalidade.

Imagem: Sapeco da Erva-mate, pintura de Alfredo Andersen, sem data.

Edição n. 1363