Maio é tempo de silêncio profundo e escuta ancestral. Tempo de reverência aos Pretos Velhos, espíritos sábios e amorosos que, na Umbanda e em alguns centros espíritas, se manifestam com humildade, doçura e um amor que cura sem pressa. Mas o que são as mirongas desses guias que, mesmo curvados pelo tempo, permanecem de pé na fé?

Mironga é segredo, é reza murmurada, é folha certa no ponto exato da dor. É um saber ancestral que não se aprende em livros, mas na prática da vida e na conexão com a espiritualidade. É o conhecimento que nascia nas senzalas, onde o médico não entrava para cuidar do pré-natal de uma escravizada ou socorrer um corpo febril em agonia. Quando o mundo negava assistência, a fé se fazia remédio.

Os Pretos Velhos representam, em sua essência, a resistência espiritual dos povos negros escravizados. São espíritos curadores da alma que, com o pouco que tinham, faziam muito. Passes com galhos de arruda, banhos de ervas, café quente e palavras sussurradas no ouvido de quem sofre. Tudo isso é mironga. É o gesto sagrado que transforma dor em compaixão e sofrimento em sabedoria.

Esses espíritos não são lendas: são presenças vivas, acolhedoras, e fundamentais no alívio das dores humanas. Divaldo Pereira Franco — médium, humanista e educador, que desencarnou em maio deste ano, o mesmo mês em que se celebram essas almas tão queridas — reconheceu a importância desses guias: “Os Pretos Velhos são entidades venerandas, que retornam à Terra em missão de paz. Sua sabedoria e humildade revelam o espírito já liberto da ignorância e da revolta.”

Em cada um de nós vive uma memória ancestral. Não é preciso ser iniciado ou conhecer profundamente os rituais: basta lembrar que nossos corpos carregam histórias antigas e que a fé dos que vieram antes ainda nos guia, mesmo em silêncio.

É preciso também reconhecer que os Pretos Velhos são símbolos de resistência: contra o escravismo, o racismo e a perseguição às religiões de matriz africana. Sua fala mansa e postura humilde escondem uma força ancestral que resistiu ao apagamento, e que se manteve viva pela fé, pela memória e pela espiritualidade.

O café, para eles, é mais que bebida: é elo com a terra, é oferenda, é ritual. Amargo como a vida que tiveram, mas quente como o amor que oferecem. Quer se conectar com um Preto Velho? Acenda uma vela branca. Ofereça uma xícara de café fresco. Sente-se em silêncio e diga: “Meu Preto Velho, me dá sua luz, sua calma, sua bênção.”

Eles continuam chegando: com o cheiro da terra molhada, a força do silêncio e o poder de uma prece simples. E cada vez que você acende uma vela e serve um café, o tempo se dobra — e a sabedoria dos ancestrais toca seu coração.

Edição n.º 1466.