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Emília Cetnaroski escreve autobiografia à mão e eterniza momentos da sua vida

Foto: Arquivo da família
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Nada é mais gratificante do que a determinação de realizar um sonho, independentemente da idade. Emília Cetnaroski, uma alegre senhora de 67 anos, provou isso ao escrever à mão um pequeno livro repleto de memórias para deixar para seus filhos e netos. Sua autobiografia é emocionante e promete tocar o coração das pessoas, além de também servir de inspiração. Mesmo sem familiaridade com a tecnologia moderna, Emília embarcou em uma espécie de jornada literária e transformou suas preciosas lembranças em palavras manuscritas. Os filhos sempre estiveram do seu lado, incentivando cada passo desse percurso.

Após criar e cuidar dos seus dois filhos, e além de ser uma avó dedicada (teve dois netos), a araucariense decidiu compartilhar sua própria história, palavra por palavra, página por página. “Sempre a incentivei a escrever. Um dia, quando ela já havia se separado do meu pai, eu a vi sentada, com semblante de paz, com seu caderno na mão, ela estava escrevendo. Perguntei o que estava escrevendo, e prontamente ela pediu se eu queria ler. Li apenas as primeiras páginas, e disse ter achado aquilo incrível. Então a incentivei a continuar colocando no papel a sua história e suas emoções. Falei: ‘Escreva, escreva, porque de repente pode ter um resultado bacana, porque é uma história bonita, de uma vida sofrida, de tantas situações difíceis que a senhora conseguiu superar!’”, conta o filho Marcos.

Nessa época, Emília ajudava Marcos em uma barraca que a família tinha na feira, mas sempre que tinha um tempinho, ela escrevia. “Em janeiro de 2016 ela se separou do meu pai, e na mesma semana eu acabei saindo da empresa que trabalhei por 12 anos, e passei a me dedicar à feira, chamei ela pra me ajudar. Mas o passatempo preferido dela era participar de bailes, ela adorava sair pra dançar, ficava feliz, sua alegria e seu sorriso contagiavam todos à sua volta. Ela queria cuidar mais de si mesma e aproveitar a vida”, recorda o filho.

Infelizmente, segundo Marcos, veio a pandemia da Covid e acabou aflorando problemas que talvez Emília já tivesse, porém não contava a ninguém. “Minha mãe tinha uma vitalidade impressionante, um pique que fazia inveja a muitas mulheres. Ela chegou a pegar o Covid junto comigo, todo mundo aqui em casa testou positivo. Ela enfrentou muito bem a doença. Já tinha tomado a primeira dose da vacina, não sei se isso influenciou, mas a coisa desandou. Um dia ela desmaiou e a encontrei caída no chão. A levamos para a UPA, o médico cuidou dela e pediu alguns exames, havia suspeita de água nos pulmões. Na época tomou medicações e ficou bem. Cerca de duas semanas depois, começou a ter dores e apresentou um inchaço no pescoço. Levei ela no ortopedista, porque sempre se queixava muito de dor nas costas e também fazia tratamento para um problema no joelho. Ali o médico pediu exames e recebemos o diagnóstico de linfoma, apareceu uma pequena massa no pulmão. Ela começou um tratamento, mas foi piorando de forma muito rápida. Chegou um dia que precisou ser internada e o médico disse à família que ela havia pego Covid no hospital. Minha mãe precisou fazer uma endoscopia e tomou um sedativo, estava muito fraca e ali faleceu, dormindo. O que nos conforta é saber que ela cumpriu sua missão, cuidou de todos com muito amor e carinho”, lamenta o filho.

Emília Cetnaroski escreve autobiografia à mão e eterniza momentos da sua vida
O filho Marcos foi o grande incentivador para que a mãe escrevesse suas memórias / Foto: Raquel Kriger

A neta Luana era o xodó de Emília, tinha 18 anos quando a avó faleceu, em 2021. Ela conta que guarda lembranças maravilhosas do convívio com a avó. “Nós éramos extremamente próximas. Desde pequena fui amada e mimada por ela e pelo meu vô. Considerava minha segunda mãe, minha melhor amiga. Ela adorava me contar histórias, falava sobre seus pais, irmãos e as brincadeiras da sua época de criança. Ela tinha um carinho muito especial pelo seu pai e principalmente pela cultura polonesa”, diz a neta.

Luana lembra de todas as vezes que viu a avó escrevendo suas memórias. “Eu a via escrevendo na parte da noite, antes de dormir. Ela vestia o pijama, colocava os óculos e ficava bastante tempo concentrada em sua caderneta. Eu gostava da sensação de assisti-la ali, escrevendo e relembrando o passado. Minha avó sempre pareceu muito empolgada falando sobre o seu livro, tinha o sonho de terminá-lo e publicá-lo”, comenta.

A neta diz ainda que não chegou a ler as anotações da avó, mas pretende fazer isso em breve. “Quando ela faleceu, não tive coragem de ler por conta das lembranças ainda muito dolorosas. Eu não sabia que ela tinha mencionado meu nome no livro, mas fico feliz que ela expresse um amor tão grande por mim, assim como eu tinha por ela. Minha avó me deixou muitos ensinamentos, e o principal foi ouvir ela sempre dizendo: ‘Tudo passa!’. Ela tinha isso escrito na parede do quarto, dizia que todos os momentos ruins, as amarguras da vida, as dores e doenças sempre passam. Mas apesar desse ensinamento que deixou, ainda não consegui aprender a fazer a dor e a saudade dela passar. Ela foi a mulher mais linda que já pisou na terra”, lamenta.

Luana e o tio (padrinho) Marcos pretendem passar todas as anotações de Emília no computador e, a partir disso, publicar um livro das suas memórias. “A ideia é contar um pouco sobre a história dos poloneses, porque meu avô, segundo a mãe contava, veio da Polônia para o Brasil quando criança, fugindo da guerra. Ela também fala da vida na colônia, como era antigamente, dos costumes, das tradições, das lendas e tudo mais. Isso tudo é muito interessante não apenas para a eternizar a memória dela, mas também para enriquecer a cultura local”, comenta Marcos.

Um testemunho de vida

A história de Emília Cetnaroski é um testemunho inspirador de como os sonhos podem ser transformados em realidade, independentemente da idade, e de como o amor e a dedicação à família podem criar um legado duradouro. Nas suas anotações, Emília conta que os pais eram de origem polonesa, o pai, nascido na Cracóvia, veio para o Brasil com os avós dela, ele tinha apenas dois anos. Vieram fugidos da guerra, escondidos no porão do navio. Viajaram por cerca de três meses e uma semana.

Os pais dela sempre viveram na área rural de Roça Nova e casaram na Igreja de São Miguel, tiveram 15 filhos, Emília foi a 14ª. “Lembro de quando eu tinha 6 anos, os tempos eram muito difíceis, a comida era escassa, ainda assim tive uma infância feliz. Meus pais trabalhavam na lavoura e no final de tarde toda a família se reunia, eu gostava muito de sentar no colo da minha mãe, tirar o lenço da cabeça dela e cheirar, era um cheirinho de paz, de esperança e felicidade”, relata em suas páginas.

Emília também descreve o pai como um contador de histórias de assombração, as quais considerava assustadoras para sua idade, mesmo assim, ela adorava. Menciona ainda o momento em que começou a frequentar a escola, tinha 7 anos. “Naquela época eu só falava polonês, achava que era suficiente, que não precisava aprender o português. Com 7 anos também comecei a trabalhar na roça. Minha folga era aos domingos, quando toda a família ia para a Igreja São Miguel, ficava distante uma hora e meia da nossa casa. A gente saia em grupos, que iam se encontrando no caminho. Quando a gente chegava perto da igreja havia um córrego, lá todo mundo lavava os pés, calçava os sapatos e penteava os cabelos, para chegar na igreja bonitinhos. A missa começava às 10h, quando acabava, tínhamos outra longa caminhada para cegar em casa, isso por volta das 14 horas. A gente almoçava e depois todos sentavam à beira do rio para conversar ou pescar”, escreveu.

Emília prossegue com seus relatos, contando que o tempo foi passando e ela começou a fazer planos para a vida, sonhava em estudar e ser enfermeira, casar e ter uma família. Queria trabalhar para poder dar uma vida melhor para seus pais, os quais amava e respeitava muito. Suas irmãs foram casando e formando famílias. As dificuldades da vida na roça ainda eram muitas, mas ela se dizia uma pessoa muito feliz.

Emília não deixa explícito a idade que tinha na época, mas saiu de casa para trabalhar em Araucária, foi morar na casa do cunhado. “Meu primeiro emprego foi na casa da madame Charvet, no casarão do Cavalo Baio. A casa parecia mal assombrada, eu sempre conservava tudo limpo e ajudava a madame, que era advogada, atendendo telefone no seu escritório. Trabalhei poucos meses lá, depois consegui emprego em uma fábrica de compensados na Linha Verde. O serviço era pesado e o horário de trabalho era das 6h às 18h. Eu a minha amiga trabalhávamos como escravas, com poucos direitos”, contou Emília.

Muitas foram as vivências descritas por Emília nas suas anotações, desde situações mais pessoais, até sofrimentos, perdas de familiares, sempre contrastando com os momentos de alegria. O ano não é mencionado, mas Emília fala do dia em que perdeu a mãe, uma grande dor, como descreve. “Minha mãe deu seu último suspiro nos meus braços… Foi o dia mais triste da minha vida, eu não me imaginava sem minha mãe”, descreveu.

Nessa época Emília já namorava aquele que logo seria seu marido. Ela revela detalhes do tempo de namoro e conta que em novembro de 1978 ela e Levi ficaram noivos e um mês depois se casaram. Foi o dia mais feliz da minha vida. Éramos muito felizes, eu continuei trabalhando, o tempo foi passando, mas as dificuldades começaram a chegar”. A partir daí, Emília retrata situações em que ficou doente, quando ficou grávida do Júnior, e as lutas para criar o filho, mesmo tendo que trabalhar fora. Depois relata o dia em que perdeu o emprego e precisou fazer bicos para ajudar a compor a renda da família.

“Passei a dieta e depois de 46 dias fiquei grávida do filho Marcos, me diziam que enquanto eu estivesse amamentando, não iria engravidar, foi uma surpresa. Fiquei preocupada, mas minhas irmãs me ajudaram e me apoiaram muito”, contou Emília. Desse momento em diante, ela também conta das várias mudanças de endereço que precisou fazer, inclusive para outras cidades, das diversas vezes que o companheiro ficou desempregado, das dificuldades financeiras, e das crises no casamento. Emília sofreu muito, entrou em depressão.

Dramas como esse que viveu impulsionaram Emília a se dedicar ainda mais a escrever suas memórias. “Eu só queria escrever uma nova história, com muito amor e carinho, de tudo que sofri, aprendi a amar mais e a perdoar mais, a ser eu mesma. Em cada tombo que eu caía, tirava uma lição para minha vida, para não repetir os mesmos erros. Comecei a me olhar no espelho e me conhecer melhor, me gostar mais, me admirar mais, me amar mais e respeitar os outros, aceitando as diferenças”, finalizou Emília.