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Estou bem posicionado em frente ao goleiro, meu amigo que está com a bola no pé percebe e faz o lançamento, já estou vendo o gol feito, hoje vou dar alegria para esse povo tão sofrido e tão brasileiro, começo a bolar a comemoração que farei, certamente vou me juntar a meu amigo que fez o passe tão lindo, quem sabe imitar Bebeto e balançar uma criança recém-nascida inventada?

Mas uma mão interrompe os pensamentos e o lance não é concluído, uma mão firme que me puxa pelo uniforme, o chute é dado no ar, não acredito, quem foi que fez isso, olho para trás e a inspetora da escola está com mais alguns outros meninos já sendo degolados também, todos com expressão de espanto, o que foi que eu fiz?

Sou levado à força e sob protestos à sala do Diretor. Não acredito que vim parar aqui, que vergonha, o olhar de decepção do Diretor, que foi meu professor até ano passado, sabe que sempre fui bom aluno, a acusação é grave: todos estes aqui estavam jogando pedra na tabela de basquete.

Estou mortificado. Não estava jogando pedra nenhuma na tabela de basquete, nunca fui disso, nem gosto de basquete, eu vi que tinha um pessoal ao lado que fazia isso, mas era outro pessoal, eu era do pessoal do futebol, tia, a senhora confundiu, mas ela é insistente: todos estes aqui.

O Diretor abre a palavra para que cada um justifique seus atos ou se defenda da acusação. O primeiro a falar já tem a reputação tão baixa que nem se importa, diz que jogou mesmo, que não está nem aí e que não se importa com a punição que lhe será aplicada. O segundo apresenta uma defesa técnica: alega que em nenhum momento jogou pedra alguma na tabela, estava, sim, jogando pedaços de pau, e como não era esse o objeto da acusação, solicita a nulidade do processo.

Na minha vez, sei que minha palavra contra a dela vale muito pouco, afinal ela é inspetora, era uma época em que ninguém alcan­çava um cargo tão relevante se existissem dúvidas sobre a precisão de seu dedo acusatório, apenas apresento minha tênue mas única defesa: ela se confundiu, eu estava perto deles mas não estava participando do ato.

O Diretor me pergunta se eles estavam mesmo jogando pedras, e agora os malfeitores é que me olham esperando minha resposta. Se a lei da sala do Diretor é dura, a lei do corredor da escola é bem pior, eu não queria assinar o livro mas também não podia assinar minha sentença de apanhar dos maiores, alguém que joga pedra na tabela é capaz de horrores. Horrores.

Digo que não vi, que estava focado somente no gol, que quando estou em campo sou pragmático como a seleção alemã, nada me importa além de marcar o tento, que na verdade eu nem conheço esses aí, nunca vi, embora estudem na mesma sala que eu. Eles sinalizam com o olhar que eu escapei por pouco.

O Diretor não engole: todos recebem a advertência por escrito.

Publicado na edição 1149 – 07/02/2019

Na sala do diretor

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