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A moça me entrega o papelzi­nho em que consta o valor do combustível, começo a andar em direção à loja quando noto, parado em pé na frente à porta de vidro automática, esse rapaz que sei que conheço há muitos anos, mas não sei exatamente de onde. O tipo de pessoa que vejo por aí e sempre me foi cordial, mas não chegou a virar amigo.

– Como você está, meu nobre? “Meu nobre”, sei, cara de pau, estamos no mesmo barco, não te julgo, afinal também não sei o seu nome, “tudo certo, meu brodinho”, eu trato assim, “meu brodinho”, porque sou um homem moderno.

Então sem mais delongas ele aponta para o estacionamento. Há alguns carros parados ali, naturalmente. Ele está olhando para os carros e para mim, muito sério, o dedo ainda suspenso no ar, eu olho e penso que não estou conseguindo enxergar o que ele me mostra, a situação começa a ficar constrangedora, nós dois olhando para o estacionamento e para o outro, ele muito sério, eu com uma interrogação na cara. Estou confuso, o que você está apontando?

Quando vou mexer a boca para pedir uma explicação sobre o que está se desenrolando, ele me interrompe, antes mesmo de eu começar, e pergunta:

– Lembra do meu carro antigo, né? Olha o que estou dirigindo agora.

Não lembro nem seu nome, querido brodinho, quanto mais o carro que você dirigia antigamente, mas não posso ser assim tão descortês. Ao longo da vida percebi que existe um contrato social tácito entre homens, saber o carro que seus amigos dirigem é quase uma obrigação, escondi por muitos anos minha absoluta falta de interesse por marcas e modelos, e mesmo que hoje eu já me sinta mais confortável em abertamente não saber nada sobre isso, nessa ocasião eu ainda fingi que sim, lembrava muito bem.

– Nossa, deu um belo upgrade, hein. (meu senhor, como eu sou idiota).

– Tô com essa máquina agora, e tudo isso em menos de dois meses.

Estou olhando para o estacionamento, será que eu não estou vendo “a máquina” a que ele se refere? Com ele falando desse jeito eu procuro um carro muito caro, muito colorido, muito brilhante e muito importado, mas só há carros muito comuns ali. Ele aponta mais diretamente para um Escort quadradinho e cinza.

Um pouco perplexo eu encaro novamente o brodinho, será que é brincadeira? Não é um carro ruim, mas nunca vi alguém gostar tanto assim do escortinho quadrado a ponto de se gabar dele para um semi-conhecido que encontrou por acaso em um posto de gasolina.

– E você também pode mudar de vida assim, cara.

Nisso ele tira um cartão de um esquema de pirâmide que vende produtos de emagrecimento e me entrega. Ah, entendo. Agora tudo faz sentido. Você antes andava sei lá em qual carro e agora que ficou milionário vendendo essa marca quer me aliciar para entrar no clube para, quem sabe um dia, dirigir um Escort por aí.

– Me passa seu número, vou te ligar para você ir lá conhecer.

Passo o número errado, pago a conta e antes que ele teste uma ligação ali mesmo para saber se passei o número verdadeiro, corro para o meu carro e empreendo fuga, torcendo para que o motor do escortinho não seja muito potente.

Publicado na edição 1153 – 07/03/2019

O brodinho

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