Quarta-feira, 15 de agosto de 1804, dia santo da Assunção de Maria, em frente à antiga Igreja Matriz da Vila de Curitiba, espaço central de toda a vida social da região, onde atualmente se encontra a famosa Praça Tiradentes da capital paranaense. Nesse dia, a primeira heroína conhecida da história de Araucária decide enfrentar os desmandos das filhas e esposas da mais poderosa elite da região.
Tratava-se de Maria Águeda, moradora do antigo bairro Tinguiquera da Vila de Curitiba, atual Araucária, uma mulher negra, livre, com cerca de 25 anos, mãe de três filhos e casada com Salvador Silva, também negro.
O ato em questão, para muitos, pode parecer um acontecimento simples, algo até mesmo corriqueiro. No entanto, para observadores mais atentos, tratava-se de um ato de extrema coragem, repleto de simbolismos e com um potencial explosivo.
No fatídico dia, Águeda Maria ou Maria Águeda, variando o nome conforme os registros feitos pelas autoridades da época e por conta da baixa condição social da nossa heroína, recebeu ordens explícitas das filhas e esposas das famílias mais poderosas da região. A ordem foi a seguinte:
– Vá buscar brasa para acendermos nosso aquecedor.
Maria Águeda, numa atitude totalmente fora do esperado, respondeu:
– Não vou. Mandem suas escravas.
As filhas da elite que deram a ordem eram ninguém mais, ninguém menos que Francisca de Paula Carneiro e Maria Joaquina Marcondes, casadas respectivamente com os poderosos Antônio Ribeiro de Andrade, capitão-mor da vila, e Francisco de Paula Ribas, tenente-coronel do corpo de cavalaria de Curitiba, terrível algoz de Águeda.
Com a resposta inesperada de Maria Águeda, seguiu-se um desentendimento entre a descendente dos escravizados e as representantes do sistema escravagista.
De acordo com o documento oficial que registrou o episódio: “[…] disse a mulher do Tenente Coronel a Maria Águeda, que se contivesse; ela concluiu dizendo que, sem embargo de ser mulher de baixo nascimento, não podia sofrer semelhantes desatinos.” (Adaptado)
Maria Joaquina Marcondes e seu poderoso marido, Francisco de Paula Ribas, entraram na igreja e assistiram à missa, provavelmente lá, combinando seus próximos passos.
Findada a missa, o tenente-coronel, acompanhado do soldado Pedro Fernandes, dirigiu-se à casa de Antônio José Pinto Bandeira, onde se encontrava Maria Águeda e seu marido. Já na casa, Francisco de Paula ordenou que o soldado conduzisse Maria Águeda à sua casa. Segue o fragmento do documento:
“Comparecendo ela, e seu marido lhe perguntou se conhecia a quem tinha desatendido; respondeu que muito bem conhecia, porém que não a tinha ofendido. Voltou-se o Tenente Coronel ao marido, dizendo: ‘Se assim era, que ensinasse a sua mulher a ser desavergonhada’; e, em tom mandativo, determinou ao camarada que a pusesse na cadeia, de tronco de pé e pescoço. A isto, o marido disse que queria receber o castigo por sua mulher, visto que ela se encontrava com uma criança de peito. Não atendeu a esta rogativa, e a mulher foi para a cadeia. Como, porém, se encontravam vários presos aonde estava o tronco, fez-se recolher a cadeia destinada às mulheres, dando logo parte, e a razão para não ser colocada no tronco. Disse o Tenente Coronel, enfurecido, que executasse a ordem, que tinha determinado, e que o marido se colocasse na grade de sentinela enquanto ela estava no tronco. Aqui, suplicou o camarada que se compadecesse daquela pobre mulher, e que não parecia bem estar de tronco uma mulher onde estavam homens. Com efeito, a instâncias e rogos deste, ficou a mulher somente na enxovia, e no dia seguinte saiu.” (Adaptado).
Retomando, o tenente-coronel deu aquilo que hoje chamamos de carteirada, questionando o marido de Maria Águeda se sua esposa, ao responder de forma negativa ao “pedido” da sua querida Maria Joaquina, sabia tratar-se de uma filha de tão poderosa família. Salvador da Silva respondeu saber quem se tratava, mas que sua cônjuge não havia ofendido a esposa do tenente-coronel. Salvador chegou a propor que ele recebesse o castigo no lugar da mãe dos seus filhos. Furioso, Francisco de Paula ordenou que ela fosse colocada na cadeia, de tronco de pé e pescoço.
A ordem do tenente-coronel foi tão absurda que até mesmo o camarada suplicou para que Joaquim de Paula atenuasse a determinação. Maria Águeda permaneceu na enxovia e saiu da cadeia no dia seguinte. Continua…
Texto elaborado a partir de artigo do professor Magnus R. de Mello Pereira da UFPR, Por que uma Praça Maria Águeda em Araucária?
Edição n.º 1460.