O skate brasileiro perdeu no final do ano passado uma de suas referências: Marcos Aurélio Sieben, o “Mamá”. Considerado um dos pioneiros do esporte em Araucária, ele morreu de câncer aos 46 anos, deixando um grande legado para os fãs da modalidade. Mamá se destacou no skate por sua habilidade, criatividade e inovação, mostrando que não apenas dominava o esporte, mas também inspirava gerações de praticantes por onde passava. Era, acima de tudo, um visionário que ajudou a popularizar o skate em vários cantos do país.
Nascido e criado em Araucária, Mamá começou sua trajetória no skate durante os anos 90 e 2000, quando ainda era adolescente. Não demorou muito para ganhar destaque, conquistando patrocínios de marcas importantes do segmento e sendo reconhecido no Brasil e também no exterior.
Além do talento inquestionável nas pistas, o skatista era conhecido por seu carisma, pois nunca se negava em compartilhar suas experiências e técnicas, ajudando atletas iniciantes a descobrirem e desenvolverem seu potencial. Para muitos jovens, Mamá foi um exemplo a ser seguido e provou que, mesmo o skate sendo um esporte alternativo e muitas vezes marginalizado, era possível sonhar grande e deixar sua marca.
Marcos Aurélio Sieben vem de uma família de 7 irmãos, é o filho do meio (Luciana, Luis, Paulo, Marcos, Sonia, Danieli e Patrícia). Quando ainda criança, brincava na rua com carrinho de rolimã, enquanto observava as crianças mais velhas andando de Skate. Um dos seus irmãos mais velhos chegou a se arriscar no esporte, mas quando o deixou de lado, foi a oportunidade que o Marcos esperava para se aventurar no skate do irmão.
Patrícia Aparecida Sieben, mais conhecida como “Irmã do Mamá”, relata que ele tinha 13 anos quando começou a andar nas ruas de casa com os amigos. Demonstrando habilidade pelo esporte, começou a tomar gosto e visibilidade, e aos 15 anos já se destacava entre os colegas. “Aos 19 anos meu irmão participou do seu primeiro campeonato nacional amador, ficando em 3º lugar, e no ano seguinte já subiu para o grupo profissional, conquistando o 1º lugar na competição, onde a premiação do campeão era uma viagem para Europa. Com o apoio e incentivo da família, no exterior ele seguiu a carreira como profissional. O forte da época eram os campeonatos, mas ele também tinha seus patrocinadores que lançavam os ‘pró model’ shape, boné, tênis e camiseta associados as marcas de seus patrocínios”, relata.
Mamá morou no exterior, mas frequentemente visitava a família e amigos no Brasil. Por volta dos seus 33 anos, ele descobriu que tinha reumatismo no sangue, o que lhe causava muitas dores nas articulações. Com o tratamento, ele ainda seguiu competindo no exterior, porém quando as dores se intensificaram, se aposentou como profissional. “Ainda na Espanha o Marcos casou com a também brasileira Melissa e tiveram a Luana. Com a filha de 6 meses e já aposentado pelo skate profissional, voltou para casa com a família, onde continuou seu amor pelo esporte dando aulas de skate para crianças e adolescentes. Também participava da organização de campeonatos amadores e profissionais por diversas regiões do Brasil, muitas vezes sendo convidado como juiz”, detalha a irmã.
Ainda de acordo com ela, em junho de 2024 Marcos percebeu que suas dores estavam mais intensas, porém sempre as associava ao reumatismo. No entanto, os médicos pediram uma bateria de exames diferentes, e em um deles apareceu uma possível massa no pâncreas. Mais um mês se passou até que a biópsia fosse liberada pelo plano de saúde. Nesse período, ele fez outros exames de imagem, onde foram constatadas novas massas, já em outros órgãos. A partir desses resultados, ele iniciou o tratamento no Hospital Erasto Gaertner.
“Quem conhece o nosso Mamá sabe de sua tranquilidade e capacidade de se adaptar a situações delicadas, ainda que com dores e desconfortos, ele dificilmente deixava transparecer. A quimioterapia foi rejeitada pelo organismo, e com duas sessões os médicos já optaram pelo tratamento paliativo, que consistia em vitaminas, analgésicos e morfina. Entre idas e vindas ao hospital, Marcos estava sendo forte e guerreiro, se esforçou bastante para passar o Natal conosco, se divertiu com a família, esposa e filha, que hoje tem 10 anos, e no dia 26 já foi para o hospital novamente. No dia 29, logo pela manhã, ele descansou”, lamenta a irmã, completando que Mamá não era referência apenas para pessoas de fora e amigos, acima de tudo ele era referência de pai, esposo, irmão e filho.
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UNIDOS PELO SKATE
A esposa Melissa Pereira Zwiener faz questão de contar uma parte da história vivida com Mamá, que foi justamente quando o skate os uniu. “Eu, companheira, amiga e esposa do Marcos Mamá, o conheci em Barcelona no ano de 2007. No início do ano de 2009 ele veio dividir o apartamento comigo e outros amigos em comum, todos do meio do skate. Na época, éramos somente amigos e fazíamos festas, passeios e rolês junto com a galera. O Marcos andava todos os dias de skate, com vários outros skatistas que viviam por Barcelona. Morávamos na esquina de um dos maiores picos de skate do centro de Barcelona, na época ele já era conhecido como Mamá, a ‘máquina de manobras’”, descreve.
Ela diz também que todos faziam filmagens e vídeos com as manobras estilosas e únicas que só o Mamá conseguia. “Depois nos mudamos desse apartamento do centro, e começamos a namorar em torno de 2010, e em 2014 veio a nossa filha Luana. Nessa época ele começou crises de dores da e decidimos voltar para o Brasil. Aqui ele fez tratamento e melhorou temporariamente, andou mais algum tempo de skate, quando sentiu que já era hora de parar. Ensinava skate para as crianças, aliás o tio Mamá era o herói delas, todas o amavam. Chegamos a chama-lo de ‘encantador de crianças, porque todas queriam ficar do lado dele. Então nesses rolês com os meninos, dois deles descobriram o amor e a paixão pelo esporte. Tiago e o Felipe se destacaram pela desenvoltura e descobriram esse talento junto com o Mamá, que é o padrinho deles no esporte. Até hoje os meninos seguem firmes e amam o skate, este é o verdadeiro legado que meu marido deixou para os seus pequenos fãs. A inspiração e o estilo não somente do skate, como também das roupas e dos trejeitos, iguais aos do Mamá. Temos muito orgulho e satisfação de fazer parte dessa história e ter tido ele nas nossas vidas. Para sempre o amaremos!”, diz a esposa emocionada.
ELE ERA UM IRMÃO
Amigo de longa data de Mamá, James Bambam tem 45 anos, mora em São Paulo e anda de skate desde os 9 anos de idade. Ele conta que teve o privilégio de conhecer Marcos Aurélio Sieben por volta de 1996 e, desde então, viraram uma espécie de família. “Passamos para a categoria profissional juntos em 1999, fizemos muitas viagens, apresentações, participamos de campeonatos e tivemos o mesmo patrocínio por bastante tempo. Falar do Mamá é muito difícil, pois a dor é grande e não sei se um dia ela vai passar. Mas ele era sinônimo de alegria, sempre com um sorriso estampado no rosto, e sem dúvida nenhuma, uma das melhores pessoas que conheci e convivi”, orgulha-se o amigo.
Para James, Mamá era um skatista diferenciado por seu estilo único e manobras técnicas que impressionavam a todos pelo mundo. “Teu legado nunca será esquecido e ficaremos com as boas recordações de tantas e tantas coisas lindas que vivemos juntos. Te amo pra sempre meu irmão! Descanse em paz, meu grande amigo Marcos Aurélio Sieben!”.
SEGUNDO PAI
Tiago é um dos alunos do Mamá mencionados pela esposa Melissa. Ele tem 15 anos e aprendeu a andar de skate há 3 anos. “O Mamá é uma pessoa muito importante pra mim e eu fiquei extremamente abalado quando recebi a notícia que ele tinha falecido. Mas como ele já vinha lutando contra a doença há muito tempo, meu luto se tornou mais tranquilo, porque agora eu tenho certeza que ele está num lugar melhor. Ele é a pessoa que fez eu me apaixonar pelo skate, por isso é tão incrível. Já me machuquei de tantos jeitos diferentes e em todas as vezes era ele que sempre me alegrava. Ele sempre me incentivava muito, meu primeiro contato com esse esporte foi com ele, e depois disso me deu um skate antigo dele, que eu usei até dois anos atrás”, relembra Tiago.
O jovem diz que Mamá sempre levava ele e mais alguns amigos para as pistas, e todos adoravam. “Eu gostava muito e até hoje eu ando de skate, toda vez que eu queria aprender manobras novas, tipo dar um Ollie ou um Flip, ele me ensinava. Ele era um segundo pai pra mim, porque me ensinou a gostar das coisas que eu gosto e vestir as coisas que eu visto. Eu acho que a minha vida teria tomado um rumo totalmente diferente sem o skate, sem o Marcos. Acho que ele é uma das pessoas mais importantes pra mim e não vou parar de andar de skate, vou continuar o legado dele. Dava pra ver que ele gostava muito do esporte e eu gosto muito também, então eu não vou deixar o Marcos morrer”, declara o skatista.
UMA NOVA HISTÓRIA
Christian Camargo tem 26 anos e é sobrinho do Mamá. Por ser o primeiro sobrinho e estar sempre na casa da avó, era muito próximo de todos os tios. Quando era criança, o Mamá já viajava o mundo por conta do skate, então sempre que ele estava em casa, eu queria estar lá. Foi numa dessas ocasiões em que ele me chamou um dia na garagem da casa da minha vó e disse que iria me ensinar a montar um skate. Depois disso fomos até a pista de skate do CSU, em Araucária, e naquele dia ele me ensinou a andar de skate, me explicou como remar e como treinar o Ollie. Ao chegar nos lugares com o Marcos, era notável como ele era querido por todos e também como servia de inspiração para mim e para muitos jovens que chegavam e o cumprimentavam. Todos queriam andar de skate junto com ele ou apenas sentar e assistir as manobras que fazia nas pistas”, descreve.
O Mamá vivia o real skate, não somente como esporte, mas o lifestyle, o ideal do skateboard. “Estar com o Mamá era muito especial, eu me inspirava não somente no estilo skateboard, mas como pessoa com um grande coração. Quando ele precisava realizar suas viagens para correr atrás do seu sonho, o que me restava era pegar algumas peças de roupas que ele deixava eu usar, e assim o faço até hoje, como lembrança e uma forma de mantê-lo vivo comigo onde eu e ele estivermos”.
O sobrinho ainda reforça que o tio escreveu parte da história do skate brasileiro, em uma época onde os skatistas eram marginalizados apenas por querer manobrar, nem sequer era considerado esporte como hoje em dia. “Não só ele como muitos outros skatistas lutaram muito para colocar o skate onde está hoje. Mamá abdicou de muita coisa para correr atrás de seu sonho e hoje não como sobrinho, mas como ser humano, tenho muito orgulho de tudo que ele conquistou e fez para o skate. O legado da Lenda Marcos Aurélio Mamá é este”; ‘viver a vida porque nunca sabemos o dia de amanhã!’”, acredita.
FITA VHS FOI O 1º CONTATO
Também amigo do Mamá, Lucas Felipe Waismann conta que seu primeiro contato com o Mamá foi através de uma fita VHS, da marca Chiclé VM. “Tudo começou em 1994, quando tive meu primeiro contato com skate nas ruas de União da Vitória, no Paraná. Naquela época, o skate não era tão acessível como hoje, e as referências vinham a conta-gotas, mas isso só tornava cada descoberta ainda mais especial. A fita VHS foi trazida de Curitiba por um irmão do skate. Depois o víamos pelas revistas, foi capa da 100%, e principalmente por relatos de irmãos que vinham de São Paulo e Curitiba a passeio na nossa cidade. Com o passar dos anos a cena mudou muito, isso de 2000 pra frente, e foi quando me mudei para a cidade de Araucária. Eu morava próximo a pista do Tayrá, naquela época a cena underground local era bem forte, conheci vários skatistas locais, e tive o prazer de ver Mamá na pista, em uma das suas visitas que fez a mãe na cidade. Depois vi ele mais algumas vezes, mas sempre reservado, e todos tinham um respeito absurdo por ele. O Mamá não só foi inspiração para todos nós skatistas dos anos 90, como continua sendo para uma porção dessa leva nova que entende o que foi a ‘golden era’”, diz.
Para Lucas, Mamá foi o símbolo de toda uma luta pela ascensão do skate nacional, e nos últimos meses travou uma grande luta pessoal. “Quem o conheceu sabe dessa presença que o Marcos tinha, e agora depois de uma batalha nos fortalece lá de cima. Obrigado, irmão!”
HOMENAGEM MAIS DO QUE JUSTA
Familiares e amigos aguardam com ansiedade o dia em que o skatista Marcos Aurélio Sieben, o Mamá, dará seu nome à atual Pista de Skate do Tayrá. Com apoio de vereadores, o pedido virou projeto de lei, que deverá ser colocado para votação pela Câmara Municipal nos próximos dias. Outra indicação, também sugerida pelo grupo e que também deverá seguir para votação diz respeito à revitalização desta mesma Pista.
“Queremos ver o nome do Mamá perpetuado naquela Pista, que também precisa de reformas para que volte a receber os skatistas”, diz Patricia, irmã do Mamá.
“Vem coisa boa para a galera do skate na cidade. Será algo para deixar o Mamá para sempre eternizado na nossa cena local. Estamos reunindo uma frente com o pessoal da Associação Reação Periférica e outros irmãos que fazem parte desse coletivo, para tornar real essa homenagem”, afirma o amigo Lucas.
Edição Especial – Aniversário de Araucária: 135 anos.