Um senhor de cabelos brancos desce a rua sem saída em que fica sua casa. Pergunto a ele se mora por ali, ele sorri e diz que sim, naquela casa ali. Provavelmente estranhando uma pergunta dessas de um desconhecido. Especialmente nas condições em que estou: mal vestido e sobre uma motocicleta que não está funcionando, tão mal acabada que tem todo o jeito de ser roubada, num domingo de manhã.

Não é apenas domingo, mas também feriado, e por isso eu sei que não vou encontrar uma oficina que possa me ajudar. Meu vasto conhecimento sobre mecânica me dá uma dica muito clara do problema: há algo errado. É nessa constatação que acaba meu vasto conhecimento sobre mecânica. Minha solução: pedir que um morador da região permita que eu guarde o veículo em sua casa até que eu possa fazer algo a respeito.

Explico minha situação ao senhor que desce a rua. Ele, gentil e sensatamente, prefere que o filho avalie meu caso. Chama o filho, que se chama Jean e está com o braço enfaixado numa tipoia: machucou no futebol. Ele atende meu pedido, não sem antes perguntar o que havia de errado. Deve ser o cabo de vela, eu digo, e só digo isso porque um amigo já me alertara anteriormente: você precisa trocar o cabo de vela, olha aí, está podre.
Jean diz que talvez exista um cabo de vela em sua casa, o que me faz duvidar de mim mesmo como pessoa. Cabo de vela é algo tão comum que as pessoas têm em casa? É como ter pilhas, esponja ou lanterna? Ele não tinha, o que foi uma sorte, porque, primeiro, voltei a crer em minha normalidade, e segundo, eu não saberia trocar se ele realmente aparecesse com um cabo na mão.

Trocamos telefone. Prometo que conseguirei buscar a moto o quanto antes. Jean me tranquiliza: a despeito de seu braço lesionado, se puder ele empurrará o veículo até uma oficina que existe ali perto. Digo que não é necessário, mas, quando, uma semana depois, volto buscar a moto, ela está em sua garagem, funcionando, arrumada.
Seu pai, o gentil senhor do início da história, é quem me atende, junto com o outro filho. Pago pelo conserto, cuja nota fiscal o senhor faz questão de me mostrar, apesar de ter saído muito barato (era o cabo de vela mesmo, afinal). Tento deixar mais algum dinheiro para pagar pelo incômodo todo. Eles não aceitam, apesar da minha insistência. Dizem que eu devo fazer um favor para alguém caso queira retribuir.

Pode ter sido apenas uma besteira qualquer, mas o episódio me lembrou que o mundo anda carente de pessoas boas. Que talvez tenham um cabo de vela, uma lanterna e um sorriso para oferecer ao desconhecido que aparece em um feriado pedindo ajuda.

P.S.: A propósito: eu deveria ter ouvido meu amigo. O conjunto materiais mais mão de obra custou cinquenta e cinco reais. Minha preguiça de trocar antes do fim fez com que a moto parasse. Por outro lado, não teria conhecido a família dessa crônica se tivesse feito isso. Qual filme é melhor? Efeito Borboleta ou A Corrente do Bem?