O assalto

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Estou conversando com meu amigo que trabalha no mercadinho do bairro. É costume no nosso grupo usar o estabelecimento como ponto de encontro: quase todos são desempregados, exceto o filho do dono do mercado, nosso amigo, e é por isso que o local é definido naturalmente como nosso quartel general – há comida, bebida, sombra e tempo de sobra.

Quando os dois meliantes entram. Eles são tão meliantes e têm a expressão tão claramente meliante que eu e meu amigo, antes mesmo de enxergar a arma, levantamos os braços, rendidos. A arma aparece no segundo posterior: é realmente um assalto. O que na verdade foi até um pouco de sorte, afinal teria sido bastante embaraçoso explicar o que os dois estavam fazendo de braços pra cima se eles fossem clientes regulares.

Por sorte era pilhagem mesmo, melhor ser assaltado que passar esse vexame. “Deita no chão”, um deles me diz. Eu, já escolado na arte de ser surrupiado (na época já tinha participado de três assaltos, todos na condição de vítima), já fui deitando no piso, pensando na segunda sorte do dia: não estava portando nenhum objeto de valor.

Não que eu tivesse algum objeto de valor: não tinha. Nas ocasiões anteriores em que fui subtraído, porém, na esperança de obter algo de valor os bandoleiros levaram minha carteira, coitados, o que me ocasionou aquela burocracia de refazer documentos, ir nas repartições públicas, dizem que o pobre só tem o nome, eu sem documentos nem sequer o nome tinha, e não que eu tenha lá um nome que precise tanto assim ser resguardado…

Estava no chão tendo esses edificantes pensamentos quando a conversa entre o chefe da pequena quadrilha e meu amigo me chamou a atenção. O larápio dizia “me dá mais dinheiro”, meu amigo res­pondia “juro por Deus que não tem, o movimento hoje está fraco, amigo…”. Curioso isso de chamar o desconhecido de amigo, essa cordialidade artificial, nem mesmo os amigos a gente chama de amigo.

Ambos permaneciam firmes em suas posições, um alegando não ter, outro querendo mais, essa gana capitalista que a tudo move, que antes movia o mercadinho e seu lucro de 30% e agora move o ladrão que rouba o mercadinho, a mesma gana que movia a mim, dessa vez feliz por realmente não ter, que triste pensamento é esse, estar feliz por não ter para não ser possível perder.

Com o canto dos olhos percebo o chefe botando a mão no bolso do meu amigo e tirando uma quantia extra de dinheiro. Ouço meu amigo alegando pateticamente que tinha esquecido que aquele maço estava em seu bolso, o salteador começa a fazer efusivos xingamentos a meu amigo, a sua honra e a sua família, até mesmo a mim sobrou algum desaforo, logo eu que tão mansamente me encontrava prostrado ali naquele piso gelado.

Os tapeadores vão embora, felizes com o lucro, eu me levanto, limpando o pó que pegou na roupa, a tempo de ver meu amigo correndo para o telefone para ligar para os serviços de proteção ao cidadão, e depois voltar para verificar se o outro esconderijo de dinheiro encontrava-se intacto. Para sorte do mercadinho, estava. Volto para casa, incerto se devo classificar a ocasião como se tivesse sido assaltado.

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