O Sapo

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Foi por volta de 1993. A casa em que eu morava tinha um matagal nos fundos onde as crianças brincavam. Eventualmente alguém pisava num prego ou arrancava uma unha, e ainda assim os tempos não eram tão perigosos. As brincadeiras na rua iam até tarde e a maior preocupação era não sujar a roupa que seria usada pra ir à escola no dia seguinte.

Naquele dia tinha parado a chuva que descera forte na cidade nos dias anteriores e nos reunimos para aproveitar o tímido sol que começava a aparecer. No matagal, antes que a chuva começasse, havíamos deixado um arremedo de cabana feita de jornal velho, madeira, papelão e outros materiais que conseguimos transformar em parede ou teto.

A chuva destruiu a cabana, o que deixou o líder do grupo bastante irritado. Embora todos tivessem participado da construção, ele se sentia naturalmente o dono da cabana, já que era o maior de nós. Decidiu, então, dar vazão a sua natureza com uma brincadeira menos sadia que o comum, mesmo para seus padrões.

Encontra uma tábua com um prego passado com a ponta pra fora. Um prego grande. Sobre uma pilha de tábuas, molhadas por causa da chuva. Sobre as tábuas, um sapo. O líder, usando uma camisa do Vasco da Gama, ri muito enquanto coloca o prego cuidadosamente apoiado nas costas do sapo, com cuidado para não perfurá-lo: não ainda. Eu, por curiosidade ou covardia, apenas observo, assustado, arrumando os óculos. O líder corre, gritando, pula com força pra cima, e com precisão pousa os dois pés sobre a tábua com o prego sobre o sapo.

Todos riem, todos tensos, exceto o líder, genuinamente feliz. Um sapo foi pregado e, só depois disso, esmagado. Numa fração de segundo, em que o prego já havia atravessado seu corpo mas a tábua ainda não o havia esmagado, o sapo estava vivo, pregado, um jesus numa cruz de malta na camisa do Vasco, que veste o líder que precisa espantar o tédio.

Porque grande azar têm os sapos que depois da chuva encontram crianças precisando espantar o tédio.
O pai do vascaíno era vascaíno. Ele não dizia “Vasco”, dizia “Vashco”. “Eu torço pro Vashco”. Uma vez ele nos contou que o Vasco, em 1930, goleou um time rival por 12×0. Um jogador do time perdedor teria enterrado no Estádio São Januário um sapo, rogando ao time da casa a praga de ficar 12 anos sem conquistar um título.

Porque grande azar têm os sapos que depois da goleada encontram rivais do Vasco.

O filho do vascaíno é vascaíno. Ele diz “Vasco”. “Torço pro Vasco”.

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