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Da casa do meu amigo, no CSU, tínhamos que ir até o Tupy, na casa dessa menina que gostava de política e queria montar um Grêmio Estudantil na escola dela. Aquilo nos interessava por várias razões, e como éramos jovens, decidimos fazer o caminho a pé. Deveríamos encontrar uma menina chamada Patrícia, que gostava de política e queria montar um grêmio. Eram as únicas informações que tínhamos sobre ela.

Já éramos do movimento estudantil e na época tentávamos ajudar a montar grêmios em escolas da rede municipal. A gente era do Szymanskão velho de guerra, aquele santuário da juventude araucariense do início dos anos 2000.

Ela realmente queria, e gostou quando a gente apareceu. Sua mãe era líder comunitária e essa liderança já havia passa para a filha, pelo sangue ou pelo costume: Patrícia queria fazer a diferença no mundo e aceitava começar por sua escola. Viramos amigos. Ela era feminista em uma época em que não sabíamos o que era feminismo, era libertária numa época em que acreditávamos já ser livres e tinha dúvidas em um tempo em que duvidar era pecado.

E sob o sol, na quadra da escola, debatendo questões que nem mesmo entendíamos: é a memória maior que tenho dela – seu cabelo dourado e cacheado balançando enquanto ela sorria. Ela nunca soube que nesse dia eu prestei mais atenção ao seu sorriso que em qualquer outra coisa.
Mas a vida afasta e a juventude passa: o sol passou a ser forte demais para caminhar do CSU até o Tupy, e Patrícia foi se tornando lembrança. E então, em um piscar de olhos, o ensino médio já tinha acabado, o grêmio ficou para trás e as preocupações foram se tornando cada vez mais graves, mais sérias, mais urgentes.

Já adulto, revi Patrícia algumas vezes, na faculdade. Na primeira delas, eu sorri e preparei um abraço – eu tinha certeza que a saudade era mútua e que desse reencontro sairiam várias risadas. Ela sorriu constrangida: “oi”. Não houve abraço. Depois soube que ela agora namorava um homem ciumento e evitava ter amigos. Os demais encontros desse período foram marcados por um aceno distante de cabeça — meros conhecidos.

Só anos depois eu soube que ela mantinha um blog em que falava sobre as vantagens de trabalhar em casa, o que ela fazia desde o início do relacionamento com ele, sobre seu ateísmo nascente e sobre o meio ambiente. O blog também foi esquecido: em sua última publicação, Patrícia falou sobre o caráter finito da existência humana e sobre como é triste quando alguém querido morre.

E em uma madrugada o homem ciumento ficou pequeno demais. Na casa recém comprada, Patrícia foi transformada em ausência.

 

 

Publicado na edição 1115 – 30/05/2018

Patrícia

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