No dia 23 de agosto de 1895, há 130 anos, era assinada a paz entre Maragatos e Pica-paus, depois de 31 meses de guerra civil. Considerada a mais sanguinária da nossa região, ela teve um sinistro saldo de mais de 10 mil mortos, muitos degolados, outros tantos fuzilados.

Mas afinal, como tudo começou? Podemos dizer que a Revolta da Degola foi apenas uma das consequências diretas da Proclamação da República. Quando o Marechal Deodoro comandou a “quartelada” que derrubou a monarquia, ele relatou uma lista de arbitrariedades sofridas pelo Exército.

Ele mesmo havia sido vítima de perseguições quando era presidente da província do Rio Grande do Sul. Nessa época, Deodoro acabou se tornando amigo de Júlio de Castilhos e inimigo ferrenho do doutor Gaspar Silveira Martins.

Com a proclamação da República, Júlio de Castilhos tornou-se presidente do Estado do Rio Grande do Sul. Acontece que Deodoro, como presidente, se mostrou muito autoritário. Para piorar, sua popularidade foi corroída pela crise econômica. Para tornar a situação ainda mais explosiva, a Marinha não estava convencida com os ideais da República. A instituição era monarquista; durante o Império, era considerada uma corporação nobre e seus oficiais chegavam a receber soldos melhores que os do Exército.

Furioso com a aprovação da lei que permitia o impeachment do presidente, o Marechal Deodoro da Fonseca mandou fechar o Congresso. Esse foi o estopim para a Primeira Revolta da Armada. Custódio de Melo, a bordo do encouraçado Riachuelo, ameaçou bombardear o Rio de Janeiro. Doente e de cama, Deodoro renunciou. Assumiu o Marechal Floriano Peixoto, que decidiu levar o mandato até o final. No entanto, o seu governo era inconstitucional, pois o artigo 42 da Constituição de 1891 estabelecia que, caso o presidente eleito não completasse a metade do mandato, uma nova eleição deveria ser convocada.

O Rio Grande do Sul era marcado, desde a Proclamação da República, pelo choque frontal entre os aliados de Gaspar Silveira Martins e os partidários de Júlio de Castilhos. Silveira Martins, conhecido como o Tribuno, representava os antigos liberais do regime monárquico. Homem rico, dono de uma oratória agressiva, foi o “senhor” do Rio Grande do Sul por vinte anos. Após a proclamação da República, foi enviado para o exílio. Com a proclamação da República, o Rio Grande do Sul passou a ter um novo senhor: Júlio de Castilhos. Ele era um positivista convicto que se revelara um jornalista ambicioso e brilhante.

Com o retorno de Silveira Martins do exílio, o estado se tornou um barril de pólvora. Após fraudes escandalosas em duas eleições e uma sucessão de assassinatos políticos, Júlio de Castilhos assumiu a presidência do Rio Grande em 25 de janeiro de 1893. Uma semana depois, em 02 de fevereiro, a Guerra Civil eclodiu.

De um lado, os federalistas de Silveira Martins, que aglutinaram toda a oposição ao governo estadual, especialmente os estancieiros da fronteira, caudilhos “blancos” como o brasileiro-uruguaio Gumercindo Saraiva. Os federalistas também ficaram conhecidos como Maragatos. O primeiro bando que invadiu o Rio Grande do Sul em fevereiro de 1893 veio do Uruguai, de um departamento povoado por espanhóis, oriundos de “La Maragataria”. Os castilhistas os apelidaram de “Maragatos”, insinuando que se tratava de um bando de invasores estrangeiros formados por pessoas desordeiras, briguentas e mercenárias. Com o desenrolar da Revolução Federalista, entretanto, o termo “Maragato” adquiriu um sentido honroso de coragem e valor pessoal para os defensores da causa parlamentarista.

Do outro lado do conflito, temos os castilhistas, que contavam com o apoio de Floriano Peixoto. Como as tropas federais usavam um uniforme azul e boné vermelho, passaram a ser conhecidos como Pica-paus. Do lado dos Maragatos, Gumercindo se revelaria o grande estrategista dos insurretos, chegando a ser aclamado o “Napoleão dos Pampas”.

O que tornou a revolta de caráter provinciano em uma revolta de significado nacional foi a Segunda Revolta da Armada (Marinha de Guerra), que estourou em 6 de setembro de 1893, no Rio de Janeiro. Liderados pelos Almirantes Custódio de Melo e Saldanha da Gama, os rebeldes não conseguiram tomar a capital do país. Com isso rumaram em direção à cidade de Nossa Senhora do Desterro, hoje Florianópolis, onde se juntaram aos rebeldes gaúchos.

A guerra civil se espalhou, chegando ao litoral do Paraná. Paranaguá foi alvo de ataque naval. Curitiba foi tomada pelos Maragatos. Apenas a cidade da Lapa resistia.

A guerra perdurou por 31 meses, até agosto de 1895, cobrando, como um sinistro tributo, a vida de pelo menos 10 mil homens, sendo que muitos morreram por degola. Enquanto os Maragatos conquistaram o Paraná e se debatiam longamente no Cerco da Lapa, Floriano Peixoto organizou tropas em São Paulo para contra-atacar os federalistas. Ao mesmo tempo, conseguiu adquirir e equipar, nos Estados Unidos, uma Armada de Guerra.

Gumercindo Saraiva foi derrotado em agosto de 1894, ferido mortalmente no dia 10, em uma localidade entre São Francisco e Santo Ângelo. Dois dias depois, foi enterrado no Cemitério dos Capuchinhos de Santo Antônio. Seu corpo ainda foi desenterrado e degolado. A cabeça de Gumercindo foi enviada de presente para Castilhos. O almirante Saldanha da Gama, à frente de 400 marujos, resistiu até a morte, em 24 de junho de 1895. Em 23 de agosto, a paz entre Maragatos e Pica-paus foi assinada em Pelotas.

Edição n.º 1481.