Quando pensamos em nossos ancestrais, a primeira pergunta que surge é: o que permanece mesmo após a morte? Laços invisíveis continuam a nos acompanhar, tanto os de amor e virtude quanto os de dor e conflito. Honrar a ancestralidade é justamente olhar para esse emaranhado de memórias e sentimentos, reconhecendo o que nos fortalece e libertando o que nos aprisiona.

O Espiritismo nos lembra que existem duas famílias: a espiritual e a sanguínea (Evangelho Segundo o E.S.E., Cap. XIV). Nem sempre ambas coincidem. Muitas vezes estamos em determinada família por missão ou por remissão — aprendendo através de desafios ou semeando virtudes que outros iniciarão depois de nós. Assim, cada característica do nosso clã, seja admirável ou desafiadora, carrega uma lição.

Jesus confirmou a importância do mandamento antigo de honrar pai e mãe, mas também ampliou sua compreensão. Ao ser avisado de que sua mãe e seus irmãos o aguardavam, respondeu: “Quem é minha mãe? Quem são meus irmãos? Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe.” (Mt 12:48–50). Ele não negou os vínculos sanguíneos, mas mostrou que a verdadeira família se reconhece na afinidade espiritual, nos gestos de amor e no cumprimento da vontade divina. Assim, honrar os pais e ancestrais não significa obediência cega, mas sim reconhecer, agradecer e, quando necessário, libertar-se de padrões que não servem mais à vida.

Nas tradições antigas, os erros de um membro da família recaíam sobre gerações inteiras, perpetuando dores e culpas. Hoje sabemos que esses pesos ainda ecoam de forma energética e sistêmica, até que alguém decida quebrar esse ciclo. Mas romper não significa rejeitar: significa acolher, sentir o peso da história e, em amor, propor um novo caminho.

Jesus nos deu esse exemplo. Ele não apedrejou a prostituta, não excluiu o cobrador de impostos. Ao contrário, entrou na casa de Zaqueu e o honrou. Ele trouxe uma nova consciência: a do amor que supera a lei do olho por olho e dente por dente. Honrar a ancestralidade é permitir que até os espíritos mais desafiadores sejam vistos, e que os que semearam o bem sintam, ainda que do outro lado da vida, que sua semente frutificou em nós.

Perdoar os ancestrais que feriram é um ato libertador. No entanto, nem sempre é simples ou possível. Às vezes, olhar para trás e visualizar quem nos machucou é doloroso demais. Nesses casos, nada deve ser forçado, porque o perdão verdadeiro nasce da alma e respeita o tempo de cada um. Se nesta vida não houver condições para perdoar, que não haja culpa: apenas a libertação pessoal do peso da obrigação. O essencial é soltar as correntes da mágoa e permitir que a vida siga seu fluxo.

Um exercício poderoso para esse processo é a Carta de Quitação à Ancestralidade. Com ela, podemos escrever para ancestrais inacessíveis:

“ Ancestralidade ou Fulano de tal, eu honro o que foi bom e o recebo como herança. Eu solto o que foi dor e devolvo a cada um o que lhe pertence. Eu perdoo e me perdoo. Agora sigo livre, e libero também cada um de vocês em paz.”

Após escrevê-la, você pode queimá-la, transformando em cinzas toda forma de prisão de sentimento, permitindo que a chama da honra curativa se acenda em seu coração. Esse gesto simples é capaz de reconciliar mundos, gerar lágrimas de cura e abrir espaço para uma vida mais leve e consciente. Afinal, honrar a ancestralidade é reconhecer que somos fruto de muitos que vieram antes, mas também somos a oportunidade viva de transformar a história.

Por Vando Fortuna, Mentor Espiritual

Edição n.º 1481.