A alteração de nome ou sobrenome, pela via administrativa, antes limitada aos casos de erros de fácil constatação, após a edição da Lei 14.383/2022, que alterou a Lei 6015/73, abriu novas possibilidades de alteração de prenome e sobrenome, de forma extrajudicial. Por exemplo, a possibilidade de em até 15 dias após a lavratura do registro de nascimento, os pais da criança, em consenso, alterarem seu prenome ou sobrenome; aos maiores de 18 anos, de forma imotivada, a lei possibilitou a alteração do prenome; e também a alteração do sobrenome para inclusão de sobrenome de familiares e algumas outras hipóteses.
Segundo o Serviço de Registro Civil das Pessoas Naturais, Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas de Araucária, após a mudança na lei, aumentou a procura tanto para alteração de prenome, como para alteração de sobrenome. “Somente neste ano já ultrapassamos 50 processos efetivados. A maior procura é, sem dúvida, para alteração de sobrenome, principalmente para inclusão de sobrenome de familiar, no intuito de aquisição de cidadania estrangeira”, afirma Margarete Terumi Seima, Oficial Designada.
Bullying
Ela conta ainda que os pedidos de alterações de prenome envolvem sempre relatos de constrangimento e bullying, inclusive é por esta razão que no momento da lavratura do registro de nascimento, os pais são aconselhados a repensarem a ideia de dar aos filhos nomes que contenham excessivamente letras como W, Y e H ou oriundos de idiomas estrangeiros, ou ainda aqueles que reproduzem nomes de celebridades.
“É difícil relatar algum caso atendido por este Cartório que tenha chamado a atenção com relação a um nome ou sobrenome constrangedor sem que haja a prévia autorização da parte. Mas vale salientar a importância da alteração do prenome ou sobrenome para algumas pessoas que, em casos de constrangimento, presenciamos o quanto ficam emocionadas quando conseguem seu documento alterado”, relata Margarete.
Este é o caso de uma estudante araucariense de 20 anos, que preferiu não se identificar ao relatar o constrangimento que sofreu durante anos, por carregar um sobrenome que por muitas vezes serviu de chacota entre os colegas da escola. “Eu sempre tive vergonha desse sobrenome, desde quando era criança. Sempre evitava falar e se fosse preciso, dava meu documento para não precisar falar em voz alta. A decisão de finalmente retirar esse sobrenome no cartório foi quando aos 18 anos sofri bullying na escola. Houve um projeto onde os nomes dos estudantes que participaram ficaram expostos para todos verem. Eu pedi para a professora não colocar meu nome completo, mas acho que ela acabou esquecendo. Depois disso, procurei na internet sobre como eu poderia retirar esse sobrenome e vi que poderia recorrer à Justiça e pedir a alteração. Conversei com a minha mãe sobre isso e ela concordou”, relembra.
A estudante diz que o processo foi um pouco demorado e que precisou de testemunhas e de uma declaração da escola para confirmar a situação envolvendo o bullying. “No final, não foi preciso, já que entenderam que o sobrenome poderia levar sim ao bullying. Se não fosse por isso, o processo seria ainda mais demorado, porque eu tinha as testemunhas, mas a escola onde estudava não queria disponibilizar uma declaração. Enfim, depois da alteração, precisei retirar uma nova certidão de nascimento no cartório, mudar meu nome nos Correios, alterar meu CPF na Receita Federal em Curitiba e emitir uma nova identidade. Esse processo também levou tempo. Só depois que eu entrei na justiça e mudei meu nome oficialmente, surgiu uma lei que tornava esse processo tudo mais fácil. Mas eu já tinha feito tudo”, disse.
Para a advogada Bruna Nazário, o nome, apesar de ser um direito atrelado a matéria de ordem pública é essencialmente pessoal, pois é por meio dele que somos reconhecidos, individualizados, identificados em sociedade e conectados às nossas raízes familiares e ancestrais. Possui natureza personalíssima e, justamente por isso, não se mostra razoável tecer maiores justificativas para alterá-lo. “Partindo desta premissa, eu acredito que as modificações trazidas pela lei 14.382/2022 vieram para enaltecer a dignidade da pessoa humana e autonomia da vontade, princípios naturais de um Estado Democrático de Direitos”, afirma.
A advogada reforça que as principais vantagens trazidas pela Lei foram a desjudicialização, celeridade e prevalência da autonomia privada. Nem tudo precisa chegar no Poder Judiciário. “A desnecessidade de apresentar um motivo para a alteração de prenome, bem como a facilitação no procedimento são inovações necessárias e louváveis. O Brasil está passando por uma fase de desjudicialização e acredito que teremos ainda mais inovações. Neste ano, inclusive, tivemos várias mudanças nos procedimentos de divórcio e inventários pela via extrajudicial, mudanças trazidas pela Resolução 571/2024. A partir da Lei 14.382/2022 a alteração de prenome ou sobrenome poderá ocorrer diretamente pela via cartorária. Isso, indubitavelmente, traz maior celeridade ao procedimento, além de baratear os custos, já que anteriormente a única via existente era a via judicial”, esclarece.
Casos em que a nova lei não se aplica
A lei 14.382/22 alterou os art. 56 e 57 da Lei de Registros Públicos, estabelecendo que qualquer pessoa, maior e capaz, poderá, pessoalmente e sem motivos, requerer a alteração de seu prenome (primeiro nome). Essa alteração pela via cartorária poderá ser feita uma única vez e, sua desconstituição, deverá ocorrer através do poder judiciário.
Além disso, poderá ser realizado a alteração de sobrenome para situações especificas descritas da lei, como, por exemplo: incluir sobrenome de padrasto ou madrasta, excluir ou incluir sobrenome de cônjuge, incluir e excluir sobrenome em razão de alteração das relações de filiação, dentre outros. No que se refere a inclusão de sobrenome de padrasto ou madrasta é importante ressaltar que precisa da concordância expressa de ambos os pais. Além disso, a inclusão do sobrenome familiar não gerará nenhum direito sucessório. O enteado apenas terá o sobrenome do padrasto ou madrasta.
A legislação é aplicável para qualquer mudança de prenome. Segundo a lei, não é mais necessário apresentar os motivos. Pode ser utilizada para pessoas que não gostem do nome recebido ou, por questões de orientação sexual, desejem alterá-lo, etc. A única ressalva é que pela via administrativa a possibilidade de mudança de prenome é restrita a uma única vez. No que se refere a alteração de sobrenome, a lei traz situações especificas pela via administrativa.
“No que se refere a mudança de sobrenome, o mais comum é a inclusão ou exclusão do nome do marido ou esposa. Quanto ao prenome, tem sido muito comum a mudança em razão de questões envolvendo bullying e por questões de orientação sexual e de gênero. Nome é um direito da personalidade, estritamente ligado a dignidade da pessoa humana, intimidade e privacidade. Todo e qualquer constrangimento sofrido em razão disso poderá ser considerado ofensa a direitos constitucionalmente protegidos e, por isso, gerar o direito a uma indenização por danos morais. Além disso, a Lei nº 14.811, de 2024 incluiu no Código Penal Brasileiro o artigo 146-A, tornando a prática de bullying um crime no país”, ilustra.
Como proceder
Não há idade máxima para requerer a mudança no prenome ou no sobrenome, todavia, a lei exige uma idade mínima de 18 anos. Além disso, a pessoa precisa ser maior e capaz.
Conforme explica a oficial Margarete Terumi Seima, primeiramente os interessados deverão comparecer no cartório para retirar o rol de documentos necessários para a alteração pretendida, o que varia caso a caso. Portando os documentos necessários, a solicitação deve ser feita pessoalmente, no cartório mais próximo da residência do interessado, caso em que o pedido será encaminhado via CRC Nacional ao cartório de origem do documento, ou diretamente no cartório onde foi lavrado o registro a ser retificado.
“Após mudar o prenome ou sobrenome, a lei estabelece que a comunicação aos órgãos oficiais ocorrerá através do cartório que procedeu com a alteração. Será enviado, as custas do requerente, ofício aos órgãos expedidores do documento de identidade, do CPF e do passaporte, bem como ao Tribunal Superior Eleitoral.
Edição n.º 1437.