O mundo está inundado de informações constantes, que chegam através de redes sociais, entre outros meios. Por seu turno, crianças e adolescentes encontram-se imersos em ambientes virtuais que frequentemente os expõem a conteúdos e interações próprias do mundo adulto. Este fenômeno, conceituado como adultização, representa uma das principais ameaças ao desenvolvimento saudável do público infanto-juvenil na era digital.

O fenômeno da adultização precoce consiste na imposição de características, comportamentos e responsabilidades típicas do mundo adulto a crianças e adolescentes, processo que ocorre através de múltiplos vetores das mídias digitais, onde a internet potencializa essa tendência ao criar um mercado de consumo infantil adultizado.

Essa realidade confronta o sistema jurídico brasileiro que, através do artigo 227 da Constituição, estabelece o princípio da proteção integral e prioritária de crianças e adolescentes. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) regulamenta este mandamento constitucional, criando um sistema abrangente de proteção com mecanismos de prevenção, atendimento e responsabilização para casos de violação de direitos.

Poder-se-ia argumentar que a liberdade de expressão, consagrada nos artigos 5º, IV e IX, e 220 da Constituição, constitui um dos pilares do Estado democrático de direito. Contudo, o Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente afirmado que nenhum direito fundamental possui caráter absoluto, devendo ser exercido em harmonia com outros direitos igualmente fundamentais. A proteção da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, CF) e os direitos de crianças e adolescentes (artigo 227, CF) estabelecem limites constitucionalmente legítimos ao exercício da liberdade de expressão, particularmente quando esta é instrumentalizada para práticas abusivas ou exploratórias.

Num cenário regulatório em construção, destaca-se o Projeto de Lei nº 2.628/2022, aprovado pela Câmara dos Deputados em 20 de agosto de 2025, que estabelece normas específicas de transparência, responsabilidade e liberdade na internet, priorizando a proteção de crianças e adolescentes. Busca-se implementar obrigações expressas para provedores e plataformas digitais quanto à moderação de conteúdos, combate à desinformação e criação de mecanismos de proteção especial para menores.

O que mais chamou a atenção nos últimos dias, a partir da denúncia efetivada pelo influenciador digital Felca, e dentro do cenário até aqui em relevo, é que a internet consolidou-se como ambiente fértil para práticas de violência sexual contra crianças e adolescentes. O child grooming, processo sistemático de aliciamento digital em que adultos conquistam gradualmente a confiança de menores para fins de exploração sexual, tem apresentado crescimento exponencial.

A aprovação do Projeto de Lei nº 2.628/2022 representa um avanço na superação da omissão regulatória, estabelecendo parâmetros legais para coibir a proliferação de conteúdos nocivos e práticas de aliciamento.

Portanto, e mais do que nunca, o cumprimento do mandamento constitucional da prioridade absoluta da infância e juventude, exige uma mudança paradigmática na regulação digital. E mais, da consciência de todos nós, pais de crianças e adolescentes, para que saibamos dizer “não” a nossos filhos…

Edição n.º 1480.