O Fantasma de Araucária

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Somos famosos no Brasil, viram?
Se não viu, veja: o corredor escuro do CAIC Califórnia, à noite. Uma luz piscando, uma porta batendo violenta e insistentemente. O segurança do prédio começa a filmar. Vai até a porta, que para quando ele se aproxima. A única explicação possível é de que se trata de um fantasma. O Brasil inteiro noticiou. E todo mundo sabe: se está na internet, é verdade.
Nada que uma porta de extintor e uma cordinha de nylon não sejam capazes de fazer: nesta cidade até o fantasma do CAIC é meio McGyver.
Ou o fantasma ou o vigia que flagrou o fantasma. Quem andava pelas bandas do Teatro da Praça há uns vinte anos deve se lembrar de um vídeo muito parecido com esse que surgiu por aquela época. Pelo que me consta, foi a mesma pessoa que flagrou o fantasma do Teatro nos anos 1990 e o do CAIC agora.
Naquele tempo, eu ainda adolescente, quando vi o vídeo fiquei bastante impressionado. No mezanino do Teatro uma porta se mexia, batendo repetidamente. O cinegrafista subia as escadas, ia até a porta, que parava quando ele chegava perto. Ele dava uma volta na porta, mostrando que não havia ninguém lá. O que mais impressionava era a coragem dele. Eu em seu lugar sairia correndo. Chego à conclusão de que não está fácil ser vigia em Araucária.

Mais difícil ainda, em tempos em que as portas se fecham de forma tão violenta, é ser mulher e negra – também é uma conclusão a que chego depois que outro fantasma, muito mais assustador, deu as caras por aqui. Sobre esse fantasma até se falou alguma coisa, porém nada comparado ao batedor de portas de prédios públicos.
Esse fantasma a que me refiro é aquele que foi até a casa da doceira Janete Martins para buscar os doces que havia encomendado e, quando viu que Janete é negra, decidiu não mais concretizar o negócio, além de voltar depois para deixar bilhetes racistas em sua porta.
Janete ainda recebeu mais duas visitas dessa mesma entidade, incansável por demostrar sua covardia – anonimamente, é claro. É característica dos fantasmas essa covardia, aliás. Uns se escondem atrás da porta e desaparecem quando chega alguém, outros se escondem atrás de letras recortadas de jornal para formar frases de cunho racista.
Esse que atacou Janete é o fantasma em cuja existência muitos se recusam a acreditar e que rende muito menos compartilhamentos no Facebook e “buzz” virtual do que a brincadeira do vigia.
Esse fantasma já atacou também na Câmara dos Vereadores no ano passado, em alto e bom som, quando um manifestante negro estava na “Casa do Povo”, exercendo seu livre direito de cidadão, e foi tratado por um edil com as palavras “tira uma foto daquele negão”. À época, mesmo com a gravação da cena e com a mídia da cidade (leia-se este Jornal) tendo repercutido o caso, nada aconteceu.
Porque se para alguns tipos de fantasma não há repercussão que baste, para outros não há panos suficientemente quentes.

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