Para certos males não existe remédio, mas existe benzimento

Rozili Ferrari preparando o toucinho para benzimento de bronquite. Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres, 2011
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Para certos males não existe remédio, mas existe benzimento
Rozili Ferrari preparando o toucinho para benzimento de bronquite. Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres, 2011

 

Durante as pesquisas para a escrita do livro Saberes de Arau­cária, 6.º volume da coleção História de Araucária, entre 2010 e 2011 as equipes do Arquivo Histórico e do Museu Tingüi-Cuera entrevistaram benzedeiras e benzedores do município para identificar quais os principais motivos que levam as pessoas a procurá-los, mesmo tendo acesso à medicina convencional.

Nessa pesquisa entrevistamos 13 benzedeiras e benzedores: Ana Pilatto, Antonia Santana de Jesus, Antônio Kolachak, Apolônia Furman, Arminda Soares, Eldo Dreyer, Izabel de Souza, Leona Geszewski, Leopoldo Przybylak, Maria Aparecida Gabriel, Maria Terezinha Perretto, Rozili Ferrari e Tereza Rodrigues de Carvalho, alguns deles hoje já são falecidos. Segundo as informações levantadas, os motivos que mais levam as pessoas a procurarem pelos benzimentos seriam para benzer susto, lombrigas atacadas, peito aberto, feridas na boca (“sa­pinho”), quebrante, rendidura, mal olhado, ar no rosto, ar na vista, cobreiro, bugreiro, bronquite, dor de cabeça, dor de dente, dor nas pernas, feridas que não cicatrizam, hemorragias e até picadas de animais peçonhentos (ao que se procura o benzimento como auxiliar ao tratamento médico).

Para fazer o benzimento alguns elementos tornam-se necessários para que a magia ocorra, e são eles bem variados, como água, fio, pano, palha, óleo, vela, brasa, faixa, arruda, hortelã, camo­mila, erva cidreira, alecrim, alho, limão, palma benta, ovo, toucinho, entre outros. Também palavras e orações são indispensáveis, algumas destinadas a santidades específicas, como Santa Apolônia para dor de dente e Santa Luzia para as vistas. Leona Geszewski profere as orações em polonês, o que, segundo ela, representa uma dificuldade quando tiver de repassar seu conhecimento para que alguém o continue.

Você sabia que existe diferença entre quebrante e mal olha­do? Segundo Maria Terezinha Perretto, que benze tanto um quanto o outro: “O quebrante é assim, quando as pessoas ficam admirando a criança – ‘Ai, meu Deus, que bonitinha!’. As próprias pessoas da casa enchem a criança de quebrante, mesmo o adulto também pode pegar o quebrante, sabia? O adulto daí tem dor de cabeça, arrepio, as coisas assim. O mal olhado também, o mal olha­do já é assim as pessoas que convivem com você que são mais invejosas (…) daí eles podem por mal olhado (…) O quebrante a pessoa não tem culpa, agora o mal olha­do é de pessoas invejosas”.

Para curar a inveja alheia não existe remédio no posto de saúde, e mesmo para os males curáveis com medicamentos o carinho, o cuidado e a pessoalidade do benzimento são insubstituíveis. Junto com o benzimento vem a conversa, o calor humano, o chazinho, tudo direcionado especialmente para aquela pessoa, diferente da frieza do medicamento industrializado. Além disso, esse tipo de conhecimento não pode ser aprendido de forma didática, mas repassado de forma imaterial de geração em geração para quem tenha dom, o que torna a prática ainda mais especial.

Texto: Cristiane Perretto e Luciane Czelusniak Obrzut Ono

Publicado na edição 1140 – 22/11/18

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