Previsão para luta: Dor!

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Quando eu tinha pouco mais de 10 anos fui levado ao cinema por meus tios, o filme era Rocky V. A Infância pobre, transformava o cinema em um grande evento. Na tela um lutador de sucesso, porém empobrecido, contraria a família e começa a treinar um corajoso jovem até então desconhecido. Na empolgação ele dedica mais tempo ao aprendiz do que aos seus. A entrega é plena e seu conhecimento é disponibilizado com generosidade, sem mesquinharia. No desenrolar da trama o jovem que era bom e grato começa a ser seduzido pelo mundo. Mas agora ele não era apenas um rapaz com vontade, agora ele conhecia o caminho, havia sido preparado, treinado e aquilo que por algum motivo não lhe foi dado, ele sugou feito um discreto vampiro.

Eu, sentado na confortável poltrona do cinema, assistia atento o desenrolar da trama, como poderia alguém que foi tão bem servido, criar motivos para justificar a traição? Tal como judas que enquanto ceava só conseguia pensar no tilintar da recompensa. E o filme seguia, o clima havia mudado. Fim da parceria, o jovem criou situações, inventou motivos, maquiou como pode sua sordidez até que não dando mais para esconder escancarou sua ingratidão, cuspiu no prato que muito comeu e estava pronto para desafiar o próprio mestre.

A plateia no cinema não se comportava como espectadores normais, eram literalmente torcedores, bradavam, vibravam num típico comportamento catártico e de identificação com a personagem. Eu, menino mais tímido, me extasiava em silêncio, mas não com menos empolgação.

O que havia feito o professor de errado para que seu pupilo se tornasse tão ingrato, ardiloso e egoísta?

É certo que o sucesso do mestre é ver seu aprendiz indo além, mas não quando a ingratidão é a mola que impulsiona. Quem sabe o mestre nem quisesse estar na frente, quem sabe ele quisesse apenas estar junto.

Mas o filme era só uma ficção, o moleque malcriado e ingrato vestiu as luvas que ganhou do próprio professor e o chamou para briga. Para o êxtase do público levou uma baita surra, esse era o único fim plausível para a estória. Foi um belo filme, ver aquele personagem tão visceral e humano foi muito marcante. A paixão de Rocky e sua resiliência segue sendo até os dias de hoje extremamente inspiradora.

Eu cresci, não passei nem perto de me tornar um boxeador, nem tampouco um mestre, ainda assim senti os beijos de judas estalarem com alegria em minha face, senti as porradas arderem forte. Maldito fogo amigo, que antes de atingir a carne, surra a alma.

O sábio protagonista deixou verdades: “Ninguém baterá tão forte quanto a vida. Porém, não se trata de quão forte pode bater, se trata de quão forte pode aguentar apanhar e permanecer de pé”. Quisera fossemos todos personagens e ao término pudéssemos abraçar nossos colegas de cena. Não se trata disso! Quando a luz do cinema acende somos cuspidos novamente para a realidade, com a certeza de que a pancada virá, de onde menos esperamos.

Cabeça erguida, guarda refeita, ainda não soou o gongo, mais um round!

Publicado na edição 1223 – 30/07/2020

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