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É difícil fazer afirmações diante de um momento de tantas conjecturas, mas tenho para mim que a expansão do Covid-19 nos convida a repensar a manutenção de sistemas sociais, de políticas públicas que há tempos parecem ineficientes e inadequadas, é mais que um convite, é uma oportunidade de parar e fazer análises comprometidas com a realidade e com os novos tempos.

Até aqui os profissionais da Educação têm sido injustamente responsabilizados pela evasão escolar pelo alto índice de analfabetismo funcional e também pelo número de alunos retidos. Há ainda quem os culpe pelos muitos letrados, mas que são desprovidos de valores éticos, morais e humanitários. O fato é que a escola tem sido reduzida a um mero filtro social onde se seleciona os indignos, os operários e os poucos merecedores de ascensão, os quais não raramente são contaminados pela prepotência de se julgar mais dignos que os outros. Dentro dessa lógica, a cada início de ano letivo, nós professores somos questionados pelo governo sobre o que faremos de novo para melhorar as estatísticas. Pasmem, a habilidade maquiavélica dos déspotas confunde até os mestres que se esforçam para inovar mesmo diante da mesmice social estática que não nos permite resultados diferentes. Assim os muros altos garantem a ordem para que os profissionais de jaleco branco conduzam as exceções ao estreito buraco do funil social.

A letalidade da pandemia, a depender do nosso olhar, pode ser a queda definitiva da máscara governamental. Não haverá o colapso do sistema de saúde porque para o pobre o sistema já está colapsado há muito tempo, na Educação é igual. Hoje o governo envia alimentos para as famílias de estudantes porque hoje ele é obrigado a admitir que diariamente os professores tentam ensinar a alunos que vão para escola com fome. Ora, casa onde falta o alimento, falta também a dignidade, a estabilidade emocional, a unidade familiar. Dessa forma, com a cognição afetada pela fome e pela carência de toda ordem os alunos fazem da escola o seu único refúgio, pois o lar onde deveria ser o porto seguro é muitas vezes ambiente onde seus direitos básicos e individuais são violados, e tudo vira pólvora que tende a explodir no chão da escola, nas mãos habilidosas dos mestres. O provedor desempregado ou subempregado não é novidade, mas o acúmulo de bocas disputando a mesma panela vazia é um combustível para o caos e uma ameaça ao sistema, só por isso o governo finge se importar.

Mas os poderosos seguem nos subestimando, nos convidam novamente para disfarçar os remendos, para representar o vulgo “facão” como se estivéssemos em um jogo de truco, e tal como fazemos a cada início do ano quando nos obrigam a mentir sobre “estudo e planejamento” hoje nos pedem para assinar a estratégia “faz de conta que ensina que eu faço de conta que acredito”. Eis a realidade da proposta de ensino público a distância. Uma alternativa desrespeitosa, que desconsidera a realidade diversa e quase sempre precária do aluno de escola pública. Sabemos que o aluno desamparado corre para a escola tal como o náufrago nada em direção a ilha, mas agora a única ilha está fechada. Mesmo que a culpa não seja de ninguém não é hora para o “faz de conta”. Muito pelo contrário. Se liga governador, é hora de aprender. Aprender que a escola nunca dará conta de ensinar com qualidade enquanto ela for o único braço do Estado dentro das comunidades periféricas, aprender que temos alunos sinestésicos, auditivos e visuais, alunos tímidos, intimidados, especiais, cada qual com sua necessidade, sua forma de aprender, de assimilar e fruir o conteúdo. Se liga secretário, é hora de aprender que se querem uma escola tecnológica como de fato tem que ser, que nos forneçam as ferramentas, não somos obrigados a utilizar nossos aparelhos particulares para viabilizar as propostas políticas do governo. Se liga, é hora de entender que a aprendizagem pede um ambiente favorável, um educando pré-disposto e não uma disputa pela única televisão ou pelo único celular da casa, muitas vezes já superlotada. Se é preciso de ambiente para aprender, também é preciso para ensinar e não dessa imposição arbitraria que desconsidera as condições pessoais de alunos e professores, que reduz o ensino e a aprendizagem a mera transferência de conteúdo teórico, a cumprimento de currículo.

Se liga, colega. Até quando iremos assinar tudo que o governo manda, mesmo sabendo que é só cosmético? A história que ensinamos nos convida a fazer parte dela.

Mas então qual é a alternativa?

Perguntaria alguém acostumado com respostas prontas e decoradas. Eu que já aprendi que não existe tempo perdido responderia: É a mesma da Economia!

Admitir a crise, admitir os impactos, reduzi-los dentro do possível, mas se organizar para o daqui para frente. Se organizar não é simplesmente voltar a fazer o que sempre foi feito, mas sim criar condições para se fazer muito melhor.

Portanto, oferecer alternativas para se tirar da ociosidade, estimular o ócio criativo, validar o ócio recreativo é muito válido. Impor um sistema sem antes criar condições reais e igualitárias é pura maldade. Por fim é hora de aprender que de nada vale o conhecimento se não preparamos o indivíduo para fazer um bom uso desse conhecimento.

A tarefa de casa é ficar em casa e estudar calmamente os heróis e as heroínas que compõem essa família! Até porque antes dos pensadores estarem nos livros eles estavam na casa de alguém.

Se liga, toda hora é hora de aprender!

Publicado na edição 1209 – 23/04/2020

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