Sempre costumo contar aos meus alunos uma história curiosa sobre a vinda da família real para o Brasil, entre 1808 e 1822. Carlota Joaquina de Bourbon — que veio a ser a nossa primeira rainha, coroada no Reino do Brasil em 1816 — tornou-se usuária de cigarros indígenas, também conhecidos como “pito de pango” ou “erva diamba”, hoje chamada de maconha. Alguns diziam que Carlota passava as tardes na varanda de sua casa em Botafogo fumando; outros, que ela consumia a erva em forma de chá. Conta-se, inclusive, que, pouco antes de morrer em Portugal, ela teria proferido a seguinte frase: “Traga-me um chá com as fibras de diamba do Amazonas, com que despachamos para o inferno tantos inimigos”.

Na época da família real, era possível adquirir o “pito de pango” nas antigas boticas, onde o atendimento era feito por um boticário. As pessoas compravam esses cigarros indígenas para tratar dores de cabeça, indisposição e outros males. O consumo da droga era bastante difundido na sociedade brasileira desde o período colonial, tanto entre os escravizados quanto entre os membros da elite. Somente em 1830, o mesmo ano da morte de Carlota Joaquina, seu uso foi proibido pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

Aqui cabe uma observação: a aprovação da lei foi motivada muito mais por questões raciais do que por uma preocupação com a saúde pública, já que o consumo do “fumo-de-angola” era considerado “coisa de preto”.

A maconha chegou ao Brasil nos navios negreiros. Não se sabe ao certo se foram os escravizados ou os traficantes brancos que a introduziram na América Portuguesa, talvez ambos. O fato é que seu cultivo e consumo se difundiram entre algumas comunidades de escravizados, forros e quilombolas. A maconha é originária das regiões centrais do continente asiático, já era conhecida pelos chineses há mais de dois mil anos antes de Cristo. Da Ásia, a planta foi para a África e, de lá, chegou ao Brasil.

Antes da chegada do “fumo-de-angola”, os indígenas já consumiam vários tipos de bebidas alcoólicas fermentadas, feitas de mandioca, caju e abacaxi — por vezes chamadas de “cauim” ou “pajauaru”. Também faziam uso de outras substâncias psicoativas, como o tabaco, o mate, o guaraná, a jurema, o paricá e o chá de ayahuasca, muitas vezes com fins medicinais e religiosos.

A droga de origem brasileira mais bem-sucedida na história humana é o tabaco. Arrisco dizer que seu sucesso se deve em parte ao cinema hollywoodiano, que o transformou em um hábito elegante e charmoso. Durante as duas Guerras Mundiais, soldados recebiam diariamente suas cotas de cigarros. Na Segunda Guerra Mundial, por exemplo, os “três grandes” — Winston Churchill (Primeiro-Ministro do Reino Unido), Franklin Delano Roosevelt (Presidente dos Estados Unidos) e Josef Stalin (líder da União Soviética) — fumavam. Curiosamente, quem fazia campanha antitabagista eram os nazistas, pois Hitler não fumava.

Voltando ao Brasil, por muito tempo a cachaça e o tabaco foram produzidos com a finalidade de serem trocados por escravizados na África. Calcula-se que, entre 1701 e 1810, 48% dos escravizados tenham sido pagos no continente africano com esse tipo de “moeda”. Houve até uma revolta colonial por causa da tentativa da Coroa Portuguesa de proibir a produção e a comercialização da cachaça no Brasil. O objetivo era forçar o consumo do vinho português. O líder da revolta, Jerônimo Barbalho Bezerra — um membro da mais poderosa elite do Rio de Janeiro —, foi condenado à morte em praça pública, mas, com o tempo, a proibição foi revogada.

Sobre a maconha, a sistematização das leis de repressão ao seu comércio e consumo sempre esteve muito relacionada à racialização. Com a Proclamação da República, o Código Penal proibiu o comércio de “substâncias venenosas” e, por coincidência, as forças de segurança pública de vários estados criaram departamentos especializados em combater “macumba, maconha e capoeira” — todas elas práticas associadas à população negra.

O reverso dessa moeda era a situação das drogas usadas pelas elites, como a heroína e a cocaína, consideradas “drogas elegantes”. Durante o século XIX, muitos jovens ricos foram estudar na Europa e, influenciados pelo romantismo, pela vida noturna e pela busca por novas experiências, acabaram se afeiçoando ao consumo dessas substâncias. Autores como Charles Baudelaire, com livros como “O comedor de ópio”, “O poema do haxixe” e “Flores do mal”, frequentaram as cabeceiras de muitos leitores brasileiros ricos, “fazendo a cabeça” de muitos jovens.

Somente no Estado Novo, em 1938, tivemos uma legislação mais efetiva de combate a esses vícios, também considerados elegantes, procurando “livrar os filhos da elite das garras do vício”.
IMAGEM: propagando do século passado.

Edição n.º 1489.