“Vóóó… Vôôô… coloca água na chaleira que eu já tô chegando para o café!”

E não era só o café ou o chimarrão. Ao chegar, havia também aquele bolo de fubá ou de milho, uma broa quentinha e, acima de tudo, havia os sorrisos. O “bença, vó”, “bença, vô” que parecia abençoar não só a boca que falava, mas a alma inteira. Era uma presença sempre pronta a amar incondicionalmente.

Nem todo mundo teve a bênção de conviver com seus avós, mas para quem teve essa riqueza, eles ocupam um espaço gigante no coração.

Parece até que a missão espiritual dos avós é provocar um certo “desarranjo” nos filhos — não por falta de amor, mas porque, naquele ponto da vida, eles já atravessaram guerras internas, já viveram durezas e aprenderam que talvez o rigor não seja o melhor caminho. Então, entregam doces fora de hora, colo sem medida e afeto sem condições. É como se pensassem: “Com esse netinho eu ainda posso tentar fazer diferente.”

E esse bebê foi — e é — você. O neto ou a neta que eles seguraram no colo, desejando um futuro mais leve, um caminho mais doce. Não é de se estranhar que seus pais, ao verem isso, soltem a clássica crítica: “Vocês estragam as crianças!” No fundo, há um quê de ciúme escondido: “Por que com meus filhos vocês agem assim e não agiram comigo?” É a criança interior deles ressentida pela dureza que viveram.

Sob a ótica sistêmica, os avós já cumpriram sua função como pais. Agora, entram em outro nível de consciência, marcado pela aceitação do tempo e do desapego. Sentem que estão mais próximos do fim do que do começo, e isso desperta a vontade de transformar os dias em risos, brincadeiras, barulho de crianças correndo pela casa — mais vida e menos cobrança.

E há um detalhe profundo: muitas vezes são os netos que curam os avós. Porque os nossos vovôs e vovós, lá atrás, quase nunca tiveram tempo para ser crianças. Suas próprias infâncias foram machucadas.

Quando pegam um brinquedo e saem de mãos dadas com os netos, o que se vê espiritualmente não é um adulto e uma criança, mas duas crianças brincando — e se curando.

Nem nossas crianças, nem nossos avós morrem dentro de nós. Permanecem vivos na memória e no coração. A passagem dos avós nos ensina o que realmente importa: amar e estar presente no tempo que nos é dado.

Há netos que vivem despedidas lentas e dolorosas, quando os avós enfrentam Alzheimer, tumores ou outras doenças degenerativas. O coração dói, e o desejo é apenas: “Que eles não sofram.” Mas, mesmo quando já não lembram nomes ou rostos, a presença e o toque ainda curam. Talvez não curem a doença, mas aliviem prisões emocionais e espirituais. Segurar um neto no colo já foi, para aquele avô ou aquela avó, um jeito de sentir que a vida podia ter sido mais leve.

Honre seus avós. Os que estão, os que estão partindo e os que já foram. Porque o amor que flui deles até você não cura apenas a sua vida, mas reconcilia e abençoa todas as gerações.

Edição n.º 1485.