A participação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Segunda Guerra Mundial é um capítulo único da história militar do Brasil — e também do mundo. Ela foi a única força combatente da América Latina a atuar na Europa e, ao contrário de outras tropas aliadas como as dos Estados Unidos, Reino Unido e França, a FEB era racialmente integrada, reunindo soldados de diferentes origens em um mesmo pelotão.

Entre 1944 e 1945, cerca de 25 mil brasileiros foram enviados para lutar na Itália contra as forças do Eixo. Naquele contexto, a FEB era apresentada como uma “amostra racial” do Brasil, alimentando o mito da “democracia racial”, uma ideia muito difundida entre intelectuais brasileiros até meados dos anos 1950.

No entanto, essa integração racial não foi resultado de uma política intencional. Na verdade, o plano inicial era recrutar uma “elite” de soldados — jovens saudáveis, alfabetizados e, de forma implícita, brancos. Mas a realidade mostrou-se outra: o recrutamento seletivo enfrentou dificuldades e a maioria dos jovens das classes média e alta, majoritariamente brancos, evitou a convocação. O resultado foi uma tropa mais parecida com a verdadeira diversidade da população brasileira.

Apesar dessa aparente diversidade, a estrutura de poder dentro da FEB continuava a reproduzir desigualdades. Um levantamento mostrou que, dos 51 soldados com nível de escolaridade mais elevado, 47 eram brancos, 3 eram pardos de pele clara e apenas um era negro. Isso revela como o racismo estrutural já limitava, desde então, o acesso de pessoas negras à educação e às oportunidades.

Estudos mostram também que havia uma ausência quase total de oficiais negros na FEB. Em uma amostra com mais de mil expedicionários, incluindo 77 sargentos, 69 foram classificados como brancos e apenas 8 como “mestiços” — nenhum deles era preto. Além disso, barreiras institucionais foram colocadas para dificultar a visibilidade dos negros à sociedade brasileira, com relatos de ordens explícitas de generais, como: “tirem fora os negros!” de desfiles e apresentações públicas. Lógico que tal ordem não foi cumprida, mas os negros eram estratégicamente organizados na área central dos pelotões, ficando nas laterais apenas os soldados brancos.

Curiosamente, os soldados negros dos Estados Unidos — que lutavam em unidades segregadas — ficavam surpresos ao ver a integração racial nas tropas brasileiras. O tenente Hélio Amorim registrou o espanto dos soldados negros americanos ao presenciarem sargentos negros brasileiros dando ordens a soldados brancos. Muitos soldados feridos dos EUA até preferiam o atendimento médico brasileiro, onde eram tratados com mais respeito, independentemente da cor da pele.

Na linha de frente, os vínculos criados entre os soldados da FEB ultrapassaram as barreiras raciais e sociais. Essa convivência foi tão marcante que alguns estudiosos acreditam que a experiência da FEB pode ter influenciado, ainda que indiretamente, o movimento dos direitos civis nos Estados Unidos. A imprensa afro-americana, atenta aos sinais de mudança, destacou a integração da FEB como um exemplo positivo e inspirador. Essa visibilidade deu força à campanha “Double V” — vitória contra o inimigo na guerra e contra a segregação em casa —, que culminou em avanços como a ordem executiva assinada em 1948 pelo presidente Harry Truman, acabando com a segregação nas Forças Armadas dos EUA.

Por outro lado, ao retornarem ao Brasil, os soldados da FEB encontraram um cenário de censura e desvalorização. O governo e parte das Forças Armadas demonstraram pouco interesse em reconhecer a importância da missão. Os veteranos foram impedidos de relatar suas experiências a civis ou à imprensa, numa tentativa de manter o prestígio da formação militar tradicional. O reconhecimento oficial só veio em 1988, com a nova Constituição, quando menos de 10 mil daqueles 25 mil soldados ainda estavam vivos.

A imagem de igualdade racial propagada durante a guerra logo caiu por terra. Um correspondente do jornal afro-americano Pittsburgh Courier, ao visitar o Brasil após o conflito, percebeu que a realidade brasileira era bem diferente do discurso oficial. A memória dos soldados negros, em especial, foi apagada ou ignorada. Raros são os registros biográficos ou homenagens individuais a esses combatentes. Quando ocorrem, são geralmente genéricas, sem destacar suas contribuições específicas.

A trajetória dos soldados negros na FEB é uma chave importante para entender as contradições das relações raciais no Brasil. Ela revela como a convivência e a integração podem existir na aparência, enquanto o racismo estrutural continua operando nos bastidores.

Edição n.º 1476.