As putas do Santa Regina

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Era meu primeiro emprego e eu fazia de tudo na frutaria recém aberta no bairro: desde buscar os produtos na Ceasa ainda de madrugada até a entrega das compras na casa dos clientes com uma bicicleta cargueira. Os dias eram longos, os sacos de batata pesados e eu franzino (sempre quis usar essa palavra).

Os moradores do bairro sempre foram conhecidos por sua religiosidade: há por ali uma profusão de igrejas das mais variadas denominações. Você gosta de bacon? Gosta de heavy-metal? Gosta de usar saias? Não importa seu gosto: há um deus esperando por você em alguma esquina — bem vindo ao quase-Éden que é o Jardim Santa Regina.

Essa época (ano 2000, mais ou menos) aparentemente era boa para os negócios e o espírito empreendedor do pessoal da vila fervilhava: a frutaria era nova, algumas igrejas eram novas e um outro estabelecimento foi aberto no bairro – um puteiro. Não vou usar uma palavra mais leve aqui. Era, de fato, um puteiro.

As funcionárias do estabelecimento viraram nossas clientes porque, afinal, também comem frutas e, como os demais, abriram contas para pagar no fim do mês. Havia no ar algum sentimento de que as vendas eram a fundo perdido, mas sob qual pretexto poderia ser negado a elas o direito que aos demais era garantido?

O comentário da clientela, na frutaria, não poderia ser pior. Onde já se viu, aqui, um bairro de família, de gente decente, gente honesta, gente de bem, um lugar desses? Pra desviar nossos maridos e filhos, pobres homens indefesos, do caminho da igreja? Já não bastam as outras igrejas para fazer esse desserviço?

Irritados com a presença das putas nos locais de uso comum, os moradores mais antigos começaram a deixar cartinhas ameaçadoras na entrada do local, gentilmente avisando que coisas ruins poderiam acontecer caso o estabelecimento permanecesse ali. Depois de alguns meses, o puteiro foi fechado e as moças foram embora.

Uma a uma eu as vi voltando à frutaria durante o mês seguinte para pagar suas contas. Fiquei na frutaria por quase um ano depois disso. Até minha saída, algumas das clientes mais religiosas não tinham feito o mesmo.

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