Na segunda matéria da série que o Jornal O Popular dedica durante todo este mês à Campanha Setembro Amarelo, o tema é a importância do acesso a tratamento psiquiátrico e psicológico de qualidade, o que poderá evitar muitos casos de suicídio. A psicóloga araucariense Mariana de Alcantara Rebello Kirchner diz que praticamente 100% de todos os casos de suicídio estão relacionados às doenças mentais, principalmente as não diagnosticadas ou tratadas incorretamente. “A maioria dos casos de suicídio está fortemente associada a transtornos mentais, como depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia e transtornos de ansiedade. A falta de diagnóstico ou tratamento adequado dessas condições pode aumentar o risco de suicídio. No entanto, é importante reconhecer que o suicídio é multifatorial, envolvendo questões sociais, emocionais e biológicas”, ilustra.
Com formação em Análise do Comportamento Aplicada (ABA), Prevenção ao Suicídio, Orientação de Pais e Teoria Cognitivo-Comportamental (TCC), e atualmente pós-graduanda em Análise do Comportamento Aplicada ao Autismo e Deficiência Intelectual, Mariana concorda que grande parte dos casos de suicídio poderiam ter sido evitados se as pessoas tivessem acesso ao tratamento psiquiátrico e informações de qualidade. Ela também destaca a importância das campanhas de conscientização que desestigmatizem o tratamento de transtornos mentais. “A intervenção precoce, diagnóstico correto e um suporte terapêutico contínuo podem fazer uma grande diferença”, reforça.
Aumento de casos
Pesquisas apontam que os casos de suicídio vêm aumentando no Brasil nos últimos anos. Para a psicóloga, esse aumento pode ser atribuído a vários fatores, como a precariedade no acesso aos serviços de saúde mental, estresse econômico e social, aumento da violência, isolamento social, uso de substâncias e falta de políticas públicas adequadas. Segundo ela, nas crianças e adolescentes, o impacto das redes sociais e o bullying também têm influenciado esse aumento.
Sob outro aspecto, Mariana fala que não é errado tentar ajudar um amigo que esteja com ideação suicida, porém a ajuda profissional é sempre o mais indicado. “Desabafar com um amigo pode ser um alívio momentâneo para quem sofre, mas é fundamental que esse amigo incentive a busca por ajuda profissional. O apoio de amigos e familiares é importante, no entanto, eles não devem carregar a responsabilidade de lidar com o risco de suicídio sozinhos. Sempre que houver sinais de risco iminente, é necessário envolver profissionais capacitados”, indica.
Quando o amigo perceber que a pessoa com ideação suicida demonstra sinais claros de sofrimento, fala sobre morte ou suicídio, ou apresenta comportamentos de autolesão, esse é o momento certo para sugerir ajuda psicológica. “Se a pessoa se recusa a buscar ajuda ou se o risco parecer iminente, é importante comunicar à família ou alguém de confiança, mesmo que isso pareça uma invasão de privacidade. A segurança e a preservação da vida devem ser prioridades”, aconselha.
A psicóloga Mariana ainda complementa que o suicídio pode ocorrer em todas as faixas etárias, mas há dois grupos de maior risco: jovens de 15 a 29 anos e pessoas idosas. Nos jovens, fatores como impulsividade, crises emocionais e pressões sociais podem contribuir. Nos idosos, solidão, doenças crônicas e a perda de autonomia são fatores de risco significativos.
“A abordagem profissional varia conforme a faixa etária. Com crianças, o foco deve ser em estabelecer um espaço seguro e acolhedor para falar sobre emoções, muitas vezes com a ajuda de atividades lúdicas. Para adolescentes, é importante promover diálogos abertos, abordando questões como redes sociais, pressão escolar e bullying. Com adultos e idosos, a abordagem deve ser direta, respeitosa e centrada na compreensão das dificuldades emocionais e físicas que podem estar contribuindo para o sofrimento”, exemplifica.
Ao longo da sua prática, Mariana conta que já atendeu diversos pacientes com ideação suicida e afirma que o tratamento nesses casos é sempre direcionado para estabilização emocional, identificação e modificação de pensamentos disfuncionais e promoção de estratégias de enfrentamento saudáveis. “Também é comum envolver a rede de apoio do paciente, como familiares e amigos, e em alguns casos, o acompanhamento psiquiátrico com medicação se faz necessário”, lembra.
Campanhas
Sobre a Campanha Setembro Amarelo, a psicóloga afirma que embora a iniciativa tenha aumentado a conscientização sobre o suicídio, ainda há muito o que se fazer. Para ela, é necessário que a campanha atinja mais pessoas em áreas remotas, envolva mais políticas públicas e serviços de saúde mental de qualidade, e reduza o estigma associado aos transtornos mentais.
“Além disso, é importante manter esse diálogo aberto durante todo o ano, e não apenas em setembro. Nunca devemos nos esquecer que o suicídio é uma questão de saúde pública que exige atenção contínua e ações concretas. As intervenções devem focar em estratégias preventivas, ampliando o acesso a serviços de saúde mental e promovendo uma cultura de aceitação e apoio. Todos nós podemos desempenhar um papel importante, desde os profissionais de saúde até a comunidade em geral, na prevenção do suicídio e no acolhimento daqueles que sofrem”, salienta.
Edição n.º 1432.