Em 2020, durante uma coletiva, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, resolveu responder a uma crítica feita pelo então presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que havia afirmado que a Rússia, historicamente, trata mal as minorias que vivem em seu território.
Curiosamente, foi bem na época do triste caso ocorrido com George Floyd, um homem negro que foi assassinado brutalmente por um policial branco, tudo isso gravado em vídeo. A morte de Floyd acabou levando à eclosão do movimento conhecido como “Vidas negras importam”, com repercussão mundial.
Putin começou a sua resposta lembrando uma situação comum na sua infância, contando que quando era criança, sempre que os meninos brigavam e xingavam um ao outro, dizia-se que você fala do outro o que você é. Foi então que a fala do presidente russo ganhou contornos surpreendentes.
Vladimir resolveu fazer um passeio pela história dos Estados Unidos, entre os séculos XVII e XXI, a partir das perspectivas dos negros e indígenas, foi uma aula. Sinceramente fiquei de queixo caído. Putin demonstrou ter um profundo conhecimento da história dos yankees, usou os marcadores temporais com precisão invejável, lembrou episódios emblemáticos da história americana e, evidentemente, chegou ao caso George Floyd. Cheguei a sentir pena do Biden.
Costumo contar esse episódio aos meus alunos para desenvolvermos o seguinte raciocínio: se o homem que controla o maior arsenal nuclear do planeta precisa do conhecimento histórico para explicar o mundo no seu entorno, quem somos nós para dispensar tal conhecimento?
Eu costumo acompanhar as falas do presidente da China, Xi Jinping, que também tem um conhecimento histórico incrível, e que sempre demonstra isso ao referir-se a outros países.
É por isso que eu sempre me questiono, como pode alguém não conseguir entender a importância do conhecimento histórico?
Para tornar essa reflexão ainda mais complexa, vou me arriscar em três fatos históricos polêmicos.
Primeiro fato histórico polêmico: Você sabia que a disciplina preferida do ditador nazista Adolf Hitler era História e que ele costumava dizer que tudo o que ele se tornou dever à História. Triste pensar que um amante da História foi o terceiro homem que mais matou seres humanos na história humana.
Segundo fato polêmico: Josef Stalin, o ditador sovético, foi o segundo homem que mais matou na história humana – 43 milhões de mortos – e, além de ter escrito poemas, chegou a ler o dificílimo O Capital, de Karl Marx, dedicando-se a teoria marxista. Eu sei que têm muitos que costumam afirmar que Stálin, em termos de conhecimento, era tosco, nada mais falso, basta conferir sua entrevista dada a Time em 1940.
Terceiro fato polêmico: Você sabia que quem mais matou pessoas na história do mundo foi o líder da Revolução Chinesa, Mao Tsé-Tung, sendo responsável pela morte de mais de 70 milhões de pessoas, e que ele também tinha um conhecimento histórico enorme, com textos formidáveis sobre história política, econômica e militar?
A essa altura você deve estar se questionando se eu quero que você goste ou odeie História.
Eu quero que você goste de História, mas pelos motivos certos. Assim como a História tem sido usada por genocidas para pavimentar seu caminho rumo ao poder, ela também fundamentou e fundamenta a ação de campeões dos direitos humanos, como Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Nelson Mandela e tantos outros.
Gandhi só desenvolveu o seu conceito de desobediência civil a partir de muito estudo, era leitor de Goethe, trocava cartas com Tolstoi, e como hindu estudava o cristianismo com dedicação.
Luther King se valia da história constitucional dos Estados Unidos para lutar pelos direitos civis dos negros, conhecimento esse sintetizado pelo belíssimo discurso “Eu tenho um sonho”.
Mandela soube unir os conhecimentos tradicionais de sua família ao ensino formal de matriz britânica para lutar contra o apartheid.
Uma coisa que é lamentável é alguém dar as costas ao estudo da História, até porque se você não o fizer, os mãos o farão.
Edição n.º 1447.