No final do século XIX, alguns ideólogos sionistas criaram um dos slogans mais problemáticos de toda história humana. Ao afirmar que “a Palestina é uma terra sem povo, para um povo sem terra”, desconsideraram todos aqueles que viviam na Palestina havia centenas, até milhares de anos, como os descendentes dos cananeus estabelecidos ali desde o terceiro milênio antes de Cristo, ou os árabes que para lá migraram a partir do século VI depois de Cristo.
Por outro lado, havia uma parcela ponderada do movimento sionista disposta a dialogar com os diplomatas árabes, sendo que ambos procuravam construir uma solução conjunta que contemplasse as expectativas dos dois povos. Entre 1919 e 1922, chegaram a propor a criação de um Estado único, onde as línguas oficiais seriam o árabe e o hebraico, com plena liberdade religiosa e participação política igualitária de todos os grupos viventes da Terra Prometida.
Em 1922, o governo britânico proibiu qualquer tipo de acordo entre sionistas e árabes. Aplicando a lógica colonizador-colonizado, a Grã-Bretanha conseguiu convencer a comunidade judaica que vivia na Palestina a ser contrária à criação de um Estado multiétnico. Por isso o convívio entre árabes e judeus, que era tranquilo até 1922, degringolou em violências que só vem aumentando em escala nos últimos 101 anos. Aplicando a máxima “dividir para governar” o governo inglês lançou as sementes do mais duradouro conflito de toda história contemporânea.
Se no final do século XIX a presença de judeus se resumia a um pequeno número, especialmente de religiosos, no início do século XX a imigração de judeus, vindos principalmente da Rússia e da Romênia, se intensificava. Quando a Declaração Balfour veio ao mundo, esse número saltou exponencialmente. Os conflitos com os árabes se tornaram cada vez mais intensos. Atentados forma praticados por judeus contra árabes e britânicos, atentados foram praticados por árabes contra judeus e britânicos.
Em 1933, Hitler sobe ao poder na Alemanha, dando início à perseguição aos judeus que desembocaria na solução final e no Holocausto. Os números chocam a consciência humana, 6 milhões de judeus mortos, sendo 1,5 milhão de crianças.
Temendo uma intensificação nos conflitos entre árabes e judeus, as autoridades britânicas restringiram a imigração judaica justamente no momento mais doloroso da história hebraica. Isso pesou contra a imagem dos britânicos frente à opinião pública internacional.
Concomitantemente, grupos terroristas judaicos atuavam na Palestina desde a década de 1930, causando a morte de muitos árabes e britânicos.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, e a criação da Organização das Nações Unidas no mesmo ano, a Grã-Bretanha resolveu se livrar do problema. O mandato britânico sobre a Palestina, que havia sido atribuído pela antiga Liga das Nações em 1920, acabava em 1948 e os ingleses já tinham até mesmo uma data definida para se retirar da Terra Santa, 15 de maio de 1948. Caberia à ONU a construção de uma solução para a questão árabe-israelense.
Foi no dia 29 de novembro de 1947, justamente quando a Assembleia Geral da ONU era presidida pelo gaúcho Oswaldo Aranha, amigo pessoal de Getúlio Vargas, que se sucedeu a votação sobre a partilha da Palestina. Na época, a proposta para divisão da região com pouco mais de 20 mil Km² era a seguinte: os 1,3 milhão de árabes muçulmanos e cristãos ficariam com 45% do território e os judeus, que a essa altura representavam 650 mil pessoas, com os outros 55%. Jerusalém, hoje foco de tensão entre árabes e judeus, não ficaria com nenhum dos dois grupos, seria tutelada pela ONU. No placar da votação, foram 33 votos favoráveis, 13 contrários, 10 abstenções e 1 ausência. O Brasil votou favorável, os países de maioria árabe contra. EUA e URSS, as duas superpotências da época, foram favoráveis à partilha. E a Grã-Bretanha? Consegue adivinhar como a antiga potência colonial votou? É isso mesmo que muito provavelmente você está pensando, a Grã-Bretanha se absteve, fechando com chave de ouro as suas trapalhadas.
Edição n.º 1388