Com a evolução da tecnologia, muitas pessoas têm recorrido a inteligências artificiais para aliviar as tensões do dia a dia e buscar soluções para resolver seus problemas. A prática, que pode parecer inofensiva à primeira vista, tem desafiado profissionais da saúde mental e a sociedade em geral. Mas afinal, a inteligência artificial pode substituir um psicólogo?

A psicóloga araucariense Angelica Soraya Krzyzanovski alerta que as consultas ao robô criam dualidades entre o alívio imediato e o engano perigoso. A consulta ao Chat GPT pode até gerar um alívio na angústia, mas é certo que o problema continuará lá, conforme afirma a especialista. “A distinção fundamental entre a atuação de um psicólogo e a interação com inteligências artificiais está na capacidade do profissional em oferecer acolhimento e na abordagem investigativa da causa dos problemas. O profissional de psicologia não apenas ensina técnicas para mitigar sintomas, mas se dedica a identificar e tratar a raiz da questão. Nesse contexto, a IA tende a mascarar as verdadeiras causas. Embora possa apontar sintomas, ela não realiza o trabalho aprofundado de um terapeuta, que visa compreender completamente o que está ocorrendo para então tratar a origem do problema”, explica.

Segundo Angelica, a ausência de um acolhimento humano adequado representa um risco considerável. Isso porque muitas pessoas necessitam de um acompanhamento mais especializado, que pode incluir medicação ou intervenções complexas, algo que a inteligência artificial não está apta a fornecer. “O foco exclusivo da IA nos sintomas, sem a perspectiva de um trabalho psicológico completo, pode ocultar diagnósticos importantes, resultando em tratamentos inadequados. Conversar com uma IA é comparável a uma conversa informal com um amigo, não se configura como um trabalho terapêutico, pois falta profundidade, análise profissional e vínculo, essenciais a um processo de cura e autoconhecimento”, compara.

É SÓ ILUSÃO!

A psicóloga Angelica lembra que a IA também ajuda a mascarar condições complexas como depressão, transtorno bipolar ou esquizofrenia. “Apenas um profissional devidamente qualificado, especificamente um psicólogo habilitado, possui capacidade e experiência para discernir os primeiros sinais desses problemas e, consequentemente, encaminhar o paciente ao tratamento mais adequado. Isso é ainda mais importante nos casos de pessoas cuja intervenção medicamentosa é indispensável. Vale ressaltar que não compete ao psicólogo prescrever medicações, mas sim orientar o paciente sobre os caminhos para a busca do suporte farmacológico necessário”, afirma.

Para o observador leigo, a prática psicológica pode, de fato, parecer restrita a uma mera conversação, observa Angelica. “Daí a percepção inicial de que dialogar com um amigo ou interagir com inteligência artificial seria equivalente ao trabalho desempenhado por um psicólogo. No entanto, essa comparação é perigosa. A atuação profissional, longe de se limitar a um simples diálogo, está fundamentada em muito conhecimento e estudo, que capacitam o psicólogo a discernir precisamente qual pergunta formular, em que momento fazê-la, como e por que acolher”.

Angelica reforça que o papel do psicólogo é provocar a reflexão do paciente e promover o trabalho de autoidentificação. “No cenário terapêutico, cada indagação, cada frase dita, é cuidadosamente ponderada e jamais tida como aleatória. A forma de acolher um paciente – ou, inversamente, a decisão de não o acolher de uma determinada maneira, constitui-se igualmente em uma intervenção calculada”, ilustra.

Outra questão abordada pela especialista é o fato de muitas pessoas já em acompanhamento psicológico buscarem ajuda da Inteligência Artificial. “Em primeiro lugar, o psicólogo não se limita a expressar o que o paciente deseja ouvir. Frequentemente, o profissional de psicologia aborda o que a pessoa necessita escutar, revelando mecanismos de negação em determinadas situações. Nesse sentido, a terapia não é um processo fácil, pois revela-se profundamente desafiadora. O paciente será confrontado com observações que talvez prefira não encarar. A IA, em contraste, oferece respostas frias, simplistas e superficiais, incapazes de produzir o mesmo efeito transformador de uma intervenção terapêutica. Na minha opinião, a principal diferença está na coragem do psicólogo em apresentar verdades incômodas que o paciente, por vezes, reluta em aceitar. É esse confronto com o desconfortável que estimula o movimento, a tomada de consciência e o crescimento pessoal, mesmo quando há resistência inicial por parte do indivíduo”, explica.

SIGILO

De acordo com Angelica, o desabafo com a IA não terá a mesma confidencialidade que a conversa com o profissional de psicologia. “Há o risco de uma eventual divulgação. A IA emprega as informações fornecidas para aprimorar seu aprendizado, o que significa que os dados inseridos poderão ser utilizados em interações futuras. Este fato, por si só, demonstra que a confidencialidade não é a mesma observada na prática psicológica. No entanto, reconheço que a natureza humana do psicólogo pode, por vezes, gerar apreensão quanto à manutenção irrestrita da confidencialidade. Contudo, o Conselho de Psicologia enfatiza rigorosamente o sigilo profissional, vedando a divulgação de informações relativas aos pacientes. Essa conduta é inerente à prática, pois compreendemos que os dados compartilhados pelo paciente são apenas seus, não constituindo propriedade do profissional”.

Em resumo, a psicóloga afirma que a Inteligência Artificial apresenta potencial para auxiliar em diversas tarefas. Contudo, seu uso deve ser acompanhado de discernimento, evitando a aceitação integral de seus resultados. “É fundamental adotar uma postura crítica e reflexiva ao analisar as informações fornecidas. Acredito que a IA não substitui a atuação do psicólogo, pois suas abordagens são completamente distintas. A IA oferece interações superficiais, enquanto o trabalho do psicólogo envolve um acompanhamento mais profundo e individualizado”, conclui.

Edição n.º 1476.