Jamais esquecerei quando eu tinha por volta dos 20 anos e participava de uma “reunião para mocidade” — culto de jovens na igreja — numa congregação cristã da qual fiz parte por oito anos. O ancião, cargo referente a um líder religioso sênior, dirigia o encontro e, em determinado momento, pediu para que os rapazes se levantassem e olhassem atentamente para as moças. Elas deveriam repetir o gesto.

Na época — mais de dez anos atrás —, homens e mulheres se sentavam em bancos separados. A ideia era que, por revelação ou inspiração divina, futuros casais pudessem se formar a partir das mirações mútuas de olhares. Era uma “piscadinha com temor” entre possíveis noivos.

O que para muitos seria uma euforia hormonal sagrada — regada a paqueras discretas e expectativas de casamento — para mim era uma via-crúcis. Eu não queria olhar para a esquerda, onde ficavam as jovens. Queria olhar para trás ou para o lado direito, mais próximo de mim, na esperança de que Deus me iluminasse com a visão de algum lindo e jovem filho de Adão: príncipe encantado, espiritualizado e temente a Deus.

O fim da minha saga cristã foi quase apocalíptico. E não porque eu tivesse decidido “pecar” e disputar com as várias “irmãzinhas” solteiras os jovens engravatados e cheios de vigor físico para multiplicar pela Terra. Mas porque eu me percebia em contradição espiritual, dividido entre meus desejos e a doutrina daquela comunidade.

E não, eu não estava pretendendo ser como o recente pastor que virou notícia em Goiânia por sair à noite de peruca loira e calcinha. Eu queria apenas manter minha integridade e coerência espiritual — fatores indispensáveis para um acesso saudável à espiritualidade. Queria caminhar sem culpa, sem a sensação de dever algo a quem quer que fosse, inclusive àquela instituição religiosa.

Foi então que banquei minha honestidade. Convidei os anciãos da igreja para uma conversa. Falei sobre minha sexualidade, sobre o fato de ser um homem gay. Eles foram bons ouvintes. Jamais esquecerei de um, em especial: Maurício. Aquele irmão foi, de fato, um enviado de Deus, que, com humanidade e empatia, tentou me oferecer alternativas para que eu permanecesse ali sem pressão, com acolhimento. Ainda assim, decidi assumir minha verdade e me retirei da igreja com louvor e respeito.

Até hoje preservo o carinho por aquela comunidade, embora não compartilhe mais das mesmas ideias. Não era o meu caminho, mas continua sendo um lindo caminho para muitas pessoas boas que conheço. Porque, se existe algo que atinge diretamente Deus e a espiritualidade amorosa, é a verdade e a autenticidade.

Não devemos usar espaços religiosos para promover hipocrisia, sobretudo quando lideranças — de qualquer fé — deveriam transformar templos em lugares de cura, não de ódio. Quando isso não acontece, a vida se encarrega de revelar o que estava “debaixo da moita”.
Encontre a sua verdade, pois ela te libertará. Traga luz ao seu discurso, não opressão. Se no seu templo existem “ovelhas”, elas esperam que você seja um bom pastor — não importa se com ou sem peruca, desde que haja autenticidade no olhar. Se você gostou deste conteúdo, acompanhe-me nas redes sociais: @tarodafortuna.

Edição n.º 1478.