“Minha mãe não gosta de mim…”, “Meu pai me detesta…”, “Acho que fui adotado nesta família.”
Essas frases, antes ditas em tom de desabafo silencioso, hoje se multiplicam nas redes sociais, nos consultórios terapêuticos e até nas rodas de amigos. A relação com os pais, que deveria ser base segura e fonte de amor, muitas vezes se transforma em um campo de dor, conflito e confusão emocional.

Mas e se eu te dissesse que nem toda mãe desejava ser mãe? Que nem todo pai aceitou de verdade o papel de pai? E, espiritualmente falando, que nem todo filho veio ao mundo para ser amado do jeitinho que idealiza?

Sim. Nem toda relação familiar é doce. Nem toda família é saudável. E essa verdade dói, mas também liberta.

Vamos voltar no tempo — não nas suas memórias, mas na história social e espiritual da humanidade. Durante séculos, mulheres foram forçadas a obedecer aos maridos, sufocar seus desejos, calar seus “nãos” e aceitar relações sexuais que, muitas vezes, mais pareciam invasões. Incontáveis filhos foram gerados sob o peso do silêncio, da submissão e da dor. Crianças nascidas não por amor, mas por dever, violência ou culpa. Como esperar laços afetivos profundos de relações que começaram em cárcere emocional?

Do ponto de vista espiritual, muitas famílias são, na verdade, reencontros cármicos. Almas que se desentenderam em vidas passadas, que se feriram, que se prometeram ajuste ou reconciliação. E Deus, em sua sabedoria amorosa, os reúne de novo. Mas agora não em campos de batalha — e sim à mesa de domingo. Ao invés de espadas, há talheres. Ao invés de insultos, há arroz, feijão e talvez um bom churrasco. A chance do perdão está ali, escondida entre os silêncios e as indiretas, esperando a maturidade de alguém para ser ativada.

Mas é importante dizer: espiritualidade não é conivência.

Não é porque há laço de sangue que devemos tolerar abusos, violências ou humilhações. Família só é sagrada quando é saudável. Do contrário, é uma prisão emocional disfarçada de tradição. Em caso de abusos, o caminho não é o perdão cego — é a denúncia, a proteção e o afastamento. Você não precisa ficar onde sua alma não consegue respirar.

O Espiritismo, em suas obras fundamentais — especialmente O Evangelho Segundo o Espiritismo e O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec — nos lembra que os laços familiares verdadeiros são os do espírito, e não os do corpo. Muitos inimigos do passado reencarnam como pai, mãe, filho ou irmão para, quem sabe, transformar ódio em compaixão. Mas o livre-arbítrio está presente: nem todos cumprem a missão.

Na visão sistêmica, reconhecer nossa árvore genealógica é um ato de honra, não de subserviência. Devemos agradecer aos corpos e histórias que vieram antes de nós — afinal, sem eles, não estaríamos aqui. Mas reconhecer não significa carregar suas dores. É olhar para o passado com gratidão e firmeza, dizendo: “honro o que vocês viveram, mas sigo diferente.”

A cura com os pais não começa forçando amor, mas permitindo o real: respeitando limites, acolhendo a verdade e, se for o caso, amando de longe. Nem toda relação familiar se resolve com aproximação. Às vezes, o maior gesto de amor é soltar.

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Edição n.º 1475.