No próximo domingo, 2 de março, o Oscar 2025 traz um momento histórico para o cinema brasileiro: “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles, concorre em três categorias: Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz, com Fernanda Torres no papel principal. O longa, que aborda os traumas deixados pela Ditadura Militar no Brasil (1964-1985), reacende um debate necessário sobre um dos períodos mais sombrios da nossa história.

Esse debate ganhou força com o trabalho da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que investigou entre 2012 e 2014 as violações de direitos humanos cometidas pelo regime. A comissão ajudou a revelar histórias de perseguição, tortura e resistência, trazendo à tona a urgência de reconhecer e compreender esse passado para que não se repita.

Aproveitando esse contexto, a equipe do Jornal O Popular conversou com os araucarienses Rivadal Padilha e Henrique Rodolfo Theobald, que viveram na pele a repressão do regime e nos trazem relatos das suas experiências.

Rivadal possui um histórico extenso de atuação estudantil, política, sindical, movimentos sociais e no Partido dos Trabalhadores. “Em 1972 fiz parte da UPES – União Paranaense dos Estudantes Secundários, e após a morte de meu pai em 1977, sem herança e renda fixa, saí de Faxinalzinho, hoje Nova Altamira, isso em junho de 1978, e vim para Curitiba, onde trabalhei na Ceasa como vendedor e entregador. No dia 20/07/1978, em Curitiba, fiz meu primeiro título de eleitor”, recorda.

No dia 12 de janeiro de 1984, na Boca Maldita, em Curitiba, Rivadal participou do primeiro comício pelas eleições diretas no Brasil. Em março de 1984, começou a fazer cursos na área de mecânica no SENAI da Cidade Industrial de Curitiba. Depois de participar de comissões de negociações representando o setor onde trabalhava, nos acordos coletivos petroquímicos/Ultrafertil, em 17 de maio participou da formação da Associação Profissional dos Trabalhadores da Indústria Petroquímica de Araucária no Paraná.

“No dia 21 de maio de 1985 fui eleito dirigente sindical do Sindicato dos Petroquímicos do Paraná (Sindiquímica – PR). Em agosto de 1986, como trabalhador e dirigente sindical, participei da primeira greve dos trabalhadores petroquímicos da Ultrafertil, e como punição, a empresa suspendeu o meu salário e o meu contrato de trabalho para apuração de falta grave por participar do movimento paredista da categoria”, segue o relato.

Como dirigente sindical, participou das negociações dos acordos da categoria e em 24 de maio de 1989, foi reeleito dirigente sindical. “Liberado pela categoria, passei a dar expediente na sede do Sindicato e tive a oportunidade de participar de várias atividades no Paraná e no Brasil. No dia 15 de agosto de 1990, como membro da Comissão dos Anistiados da Ultrafertil, participei da reintegração na empresa dos Dirigentes Sindicais suspensos e dos trabalhadores demitidos por justa causa na greve de 1986. No dia 09 de maio de 2001, constituo um advogado e dou entrada no pedido de Anistia”, conta.

Em 30 maio de 2005, Rivadal Padilha recebeu uma correspondência da Previdência Social, comunicando a concessão da sua aposentadoria de anistiado. “No dia 30/10/1978 comecei a trabalhar em Araucária, primeiramente em duas empreiteiras, Socotan e Setal, na construção da Ultrafertil, e no dia 04 de janeiro de 1982, me tornei funcionário efetivo da empresa. Em Araucária me casei em 1984, onde moro até hoje”.

Araucarienses relatam experiências vividas durante a repressão da ditadura militar
Correspondência da Previdência Social comunicando a concessão da aposentadoria de anistiado a Rivadal Padilha.

FILHOTE DA DITADURA

O professor Henrique Rodolfo Theobald, filósofo e Mestre em Educação, também se julga um “filhote da ditadura”. Ele conta que nasceu em 1965 e passou a infância, adolescência e juventude, sob o regime da ditadura militar, no interior do Paraná, em um Município que pertencia à área de Segurança Nacional, pois era fronteira, assim como Araucária, devido à Refinaria Repar.

“Lembro-me que na escola, onde ingressei em 1973, iniciávamos as lições com um cabeçalho extenso, que incluía local, data, o nome da escola e os nomes do Presidente da República e do Governador do Estado. Repetia diariamente os nomes dos Generais Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Batista de Figueiredo, acompanhado dos nomes dos Governadores Emílio Hoffmann Gomes, Jayme Canet Júnior e Ney Amintas de Barros Braga”.

Onze anos mais tarde, em 1984, Henrique ingressou no Curso de Filosofia na PUC/PR, na efervescência das manifestações contra a Ditadura Militar. O ‘batismo’ nessas manifestações, organizadas pelos Núcleos Estudantis de Direito e Filosofia, que foram os primeiros a retomarem o status de Centros Acadêmicos (proibidos pela Ditadura), foi uma passeata que saiu do Campus do Prado Velho, até o Batalhão do Corpo de Bombeiros do Portão.

“Lá estava preso o Jornalista Juvêncio Mazzarollo, de Foz do Iguaçu, desde 1982, por críticas que fazia à Ditadura Militar e às elites de sua cidade, envolvidas em grilagens de terras para a construção da Usina de Itaipu e denunciadas por ele no Jornal Nosso Tempo. Foi acusado de subversivo pelo governador Jayme Canet Júnior. Após várias greves de fome e uma campanha da Anistia Internacional, da qual nossa manifestação fez parte, o Jornalista foi libertado”, traz a memória o professor.

Ele salienta que as grilagens de terras na região da construção da barragem de Itaipu, e a desapropriação das terras a preços módicos, fez surgir o MST, organizado por lideranças religiosas da região, entre as quais se destacou o Pastor Protestante Gernote Quirinos, mais tarde eleito Deputado Estadual pelo MDB, partido de oposição à Ditadura Militar.

“No cotidiano universitário, como era proibido ler obras do Marx, os professores nos colocavam em contato com os filósofos que fundamentavam suas teorias, como Kant, Hegel e principalmente, as teses de Ludwig Feuerbach, bem como estudos sobre Marx. E nas casas de estudantes, circulavam obras de Marx, lidas e estudadas na ‘clandestinidade’. Ter folhado O Capital, era como que um ‘troféu’”, diz.

Edição n.º 1454.