A imagem da videira, que Jesus utiliza para apresentar os frutos que brotam dos ramos, é muito significativa. Por diversas vezes ele apresenta o verbo permanecer unido à videira, do contrário, o ramo seca e não produz nenhum fruto. E acrescenta falando da importância da poda, pois sem ela, com o tempo, não haverá mais frutos. Ele é a videira e os ramos somos nós. As podas são provenientes da sua palavra, que nos orienta, nos aponta o caminho e nos faz mudar de direção. É tão bom ouvir alguém, após a homilia, dizer que a Palavra de Deus tocou no seu coração e questionou suas atitudes. Tantas vezes ouvi pessoas afirmarem após a missa: ‘essa homilia foi para mim’. Que bom, porque isso é sinal de que a pessoa não foi apenas uma ouvinte da palavra da Deus, mas se dispõe a ser praticante. Como ouvimos nós, sacerdotes, no dia da ordenação: ‘viva aquilo que você prega’.
A imagem da videira toca profundamente com a minha vida, pois, desde criança, acompanhei o meu pai na poda do parreiral. Quando chegava o mês de agosto, era o período certo de pegar a tesoura e podar os ramos. Eu achava aquilo interessante e tantas vezes perguntei para ele o significado daquilo. E ele então respondia dizendo que sem a poda, com o tempo, os ramos não iriam produzir mais frutos. Iriam tornar-se estéreis. A poda é sempre dolorosa, e a imagem do ramo novamente é muito esclarecedora. Depois de podada, sai uma espécie de choro, que se chama seiva, e é isso que vai criar os cachos saborosos da uva. Realmente, Jesus sabia falar de forma analógica, capaz de tocar o coração das pessoas.
Assim também é a nossa vida. Desde pequenos faz-se necessário fazer a experiência das podas. São os ‘não’ que tantas vezes recebemos dos nossos pais e educadores, que no momento são dolorosos, mas, depois se mostram imprescindíveis para enfrentarmos as frustrações e decepções no nosso cotidiano. Quem nunca foi podado, ou seja, jamais foi corrigido e fez tudo o que quis, com certeza, terá muita dificuldade para administrar as diversas derrotas que surgirão ao longo da sua existência. Muitos pais têm medo de corrigir, como se isso significasse criar traumas no filho. Ledo engano, pois, sem limites na medida certa, não se formam personalidades fortes e equilibradas e que produzam bons frutos. O mundo de hoje carece de pessoas capazes de saber administrar perdas e derrotas.
Os limites na medida certa são feitos de firmeza, mas, também, de muita ternura. Somente ‘não’ sem ternura, pode criar pessoas recalcadas; mas o ‘sim’, sem firmeza, fazendo todas as vontades da criança, cria pessoas frágeis, incapazes de enfrentar as frustrações diárias. Este equilíbrio é fundamental para o desenvolvimento saudável do ser humano ainda em formação. Mas, independente da idade, sempre vamos precisar de podas, pois, sem elas, simplesmente faremos aquilo que nos convêm, nossas vontades, que nem sempre são necessárias e saudáveis.
Jesus, no evangelho nos aponta o caminho a seguir. Suas mensagens são verdadeiras podas que nos mostram que nem sempre podemos fazer o que queremos. As renúncias a tantas coisas que podemos, mas não nos convém, apresentam esta verdade. Abrir-se à sua palavra significa exatamente isso: estar disposto a mudar, a ser diferente, a rever conceitos, atitudes e decidir-se a ser diferente. Isso nem sempre é fácil, porque tantas vezes, o nosso orgulho e autossuficiência não admitem erros e falhas. Somente um coração humilde, é capaz de abrir-se à mudança, guiado pela Palavra de Deus, que nos orienta e nos transforma.
Publicado na edição 1259 – 29/04/2021