O caso de uma adolescente de 13 anos que engravidou após participar da roleta-russa do sexo em uma festa com colegas da escola continua repercutindo nas redes sociais. Essa brincadeira geralmente acontece com adolescentes, em festas privadas, sem supervisão de adultos. Já no final, vem o desafio: os meninos sentam em cadeiras com o órgão sexual ereto, e as meninas sentam como se estivessem brincando de ‘roleta-russa’, mas com teor totalmente adulto — e arriscado.

A prática já costumava acontecer em bailes funk no Rio de Janeiro, porém depois de viralizar o relato da menina de 13 anos que engravidou durante o desafio – e não sabia quem era o pai, por conta do número de jovens envolvidos -, isso incitou a chegada da nova ‘brincadeira’ entre os adolescentes.

Os jogos ainda acontecem, em sua maioria, sem preservativo, o que preocupa adultos por conta dos riscos de gravidez e transmissão de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), como sífilis, HIV ou gonorreia.

A psicóloga Angelica Krzyzanovski ainda enumera outros problemas. “Os riscos são inúmeros, além dos já citados, já que existe a possibilidade de abusos e violências sexuais em ambientes assim, sem contar as consequências emocionais e sociais. Falando especificamente das consequências psicológicas, em primeiro lugar vem a objetificação do corpo e do relacionamento sexual, além de afetar a autoestima dos envolvidos, tanto das meninas quanto dos meninos. A brincadeira também pode gerar situações de bullying, tanto com os que participam, quanto com os que não querem participar. Com o acesso fácil a celulares, as pessoas que participam podem ser expostas. Ademais, nos casos em que os adolescentes são ‘forçados’ a participar dessas situações, podem gerar traumas e perpetuar ambientes de violência sexual dentro e fora dessas festas”, alerta.

Futuro comprometido

A psicóloga acredita que o fato de os jovens e adolescentes participarem de brincadeiras como a ‘roleta russa’, podem trazer sérias consequências na forma como eles irão se relacionar no futuro. “A desvalorização do próprio corpo e da relação sexual pode gerar relacionamentos disfuncionais no futuro. Sem contar o estigma que – principalmente as meninas que participam dessas festas – podem sofrer, pois infelizmente vivemos em uma sociedade machista. As meninas são muito mais estigmatizadas e rotuladas que os meninos”, afirma.

Apesar de não pessoalmente não ter conhecido pessoas que estiveram nessa situação específica, Angelica conta que já conheceu pessoas que foram abusadas em situações parecidas (que começou como uma brincadeira e acabaram sendo desrespeitadas e sofreram abusos) e pessoas que foram expostas nas redes sociais e sofreram bullying por participar de festas parecidas com estas. “Acredito que a melhor forma de lidar com isso é identificar os danos que a situação causou, identificar as vítimas, entender o que houve e buscar ajuda especializada, seja de médicos, psicólogos, para lidar com os traumas que podem ter ficado, ou nos casos mais graves, buscar a Justiça”, orienta.

Ainda de acordo com a psicóloga, é preciso entender que nem sempre os adolescentes têm discernimento para decidir em que situações devem se envolver ou não, bem como os limites de cada um e as consequências dos seus atos, por isso a orientação dos pais ou responsáveis é tão importante. “A orientação dos pais é fundamental, mas não no sentido de punir ou brigar com o adolescente e sim ajudá-lo a tomar decisões saudáveis e identificar as consequências dos seus atos e arcar com elas. A adolescência é uma fase onde há muitas mudanças hormonais, corporais, cerebrais e de identidade, não é uma fase fácil, nem para os adolescentes, nem para os pais que muitas vezes querem que o filho seja o que eles querem e não o que eles são. É importante aos pais conhecerem e aceitarem essa fase e manter a proximidade e o diálogo mais aberto possível, a fim de auxiliar o adolescente a identificar os seus próprios limites e os limites das outras pessoas”.

“Você não é todo mundo!”

Angelica lembra ainda que nessa fase existe a pressão que os colegas e as mídias exercem sobre o adolescente, principalmente na área amorosa e sexual. Nesse sentido, é importante acolher essa demanda do adolescente e ajudá-lo a perceber que muitas vezes o que se vê nas mídias e o que os colegas dizem nem sempre condizem com a realidade, e mesmo que seja real, é a realidade dele e o adolescente não precisa fazer algo que não quer ou não está preparado para ser aceito. Esse tipo de amizade não é saudável.

“A sociedade carece de uma educação sexual de fato, que consiste em ensinar o adolescente a identificar e respeitar o próprio corpo, ensina os limites do outro e de si mesmo, além de ensinar sobre as doenças sexualmente transmissíveis e métodos contraceptivos. Muitas pessoas têm preconceito com esse tipo de ensino, mas se isso não for ensinado adequadamente, os jovens vão aprender de maneiras incompletas e impróprias, podendo gerar consequências para a vida toda”, diz.

Ela também faz um alerta aos pais, para que fiquem atentos ao que os seus filhos estão consumindo nas redes sociais. “Antigamente, éramos afetados e influenciados apenas pelas pessoas próximas de nós, no máximo pela televisão. Hoje, com as redes sociais, os adolescentes são inundados por muitas informações e influências de todas as partes do mundo. Por isso, é essencial estarmos atentos ao que o adolescente assiste. O adolescente ainda não tem discernimento suficiente para entender o que é real e o que não é, e os limites da sociedade. Às vezes nós adultos recebemos uma informação e não sabemos se é verdade ou não, se pode ser feito ou não, imagine o adolescente em formação”, ilustra Angelica.

Edição n.º 1462.