Segundo o último relatório da OMS (Organização Mundial de Saúde), publicado em junho de 2022, a incapacidade e morte devido à doença de Parkinson aumentou mais rápido do que qualquer outra doença neurodegenerativa no mundo. No Brasil, são 200 mil pessoas com Parkinson – número que dobrou nos últimos 25 anos -, conforme a própria OMS. Mas a boa notícia é que embora ainda não tenha cura para a doença, existem tratamentos que melhoram a qualidade de vida dos pacientes.
Esse e outros assuntos pertinentes à doença foram evidenciados em 11 de abril, o Dia Mundial da Conscientização do Parkinson. A data é sempre uma oportunidade de unir as pessoas afetadas pela doença e também de esclarecer pontos-chave sobre a sua incidência e seus tratamentos.
A médica neurologista da Clínica São Vicente, Juliana Nogueira explica que a doença de Parkinson é degenerativa do sistema nervoso central, crônica e progressiva. É causada por uma diminuição intensa da produção de dopamina, que é um neurotransmissor que, entre outras funções, controla os movimentos. A dopamina ajuda na realização dos movimentos voluntários do corpo de forma automática, ou seja, não precisamos pensar em cada movimento que nossos músculos realizam, graças à presença dessa substância em nossos cérebros. Na falta dela, particularmente numa pequena região encefálica chamada substância negra, o controle motor do indivíduo é perdido.
“Com o envelhecimento, todos os indivíduos saudáveis apresentam morte progressiva das células nervosas que produzem dopamina. Algumas pessoas, entretanto, perdem essas células num ritmo muito acelerado e, assim, acabam por manifestar os sintomas da doença. Não se sabe exatamente quais os motivos que levam a essa perda progressiva e exagerada de células nervosas (degeneração), muito embora o empenho de estudiosos deste assunto seja muito grande. Admitimos que mais de um fator deve estar envolvido no desencadeamento da doença. Esses fatores podem ser genéticos ou ambientais”, esclarece a neurologista.
Sintomas
Ela lembra que quanto maior a faixa etária, maior a incidência da doença de Parkinson. De acordo com as estatísticas, na grande maioria dos pacientes, ela surge a partir dos 55 aos 60 anos e sua prevalência aumenta a partir dos 70 aos 75 anos. Os sintomas da doença de Parkinson variam de um paciente para o outro. Em geral, no início, eles se apresentam de maneira lenta, insidiosa, e o paciente tem dificuldade de precisar a época em que apareceram pela primeira vez.
“Os principais sintomas da doença de Parkinson são a lentidão motora (bradicinesia), a rigidez entre as articulações do punho, cotovelo, ombro, coxa e tornozelo, os tremores de repouso notadamente nos membros superiores e geralmente predominantes em um lado do corpo quando comparado com o outro e, finalmente, o desequilíbrio. Estes são os chamados ‘sintomas motores’ da doença, mas podem ocorrer também ‘sintomas não-motores’ como diminuição do olfato, alterações intestinais e do sono. Também existem alguns sinais prematuros durante esse estágio inicial a pessoa apresenta sintomas leves que geralmente não interferem nas atividades diárias. Tremor e outros sintomas de movimento ocorrem apenas em um lado do corpo. Amigos e familiares podem detectar mudanças na pessoa com a doença, incluindo alterações na postura, perda do equilíbrio e perda da expressão facial”, diz a médica.
Outros sintomas, segundo ela, que geralmente são menos divulgados, são as dificuldades na atenção, alteração na memória, cansaço excessivo, perda do olfato, alterações intestinais e do sono, perda do paladar, transtornos do humor – como apatia, irritabilidade, depressão e ansiedade, dores.
“A doença de Parkinson é tratável e geralmente seus sinais e sintomas respondem de forma satisfatória às medicações existentes. Esses medicamentos, entretanto, são sintomáticos, ou seja, eles repõem parcialmente a dopamina que está faltando e, desse modo, melhoram os sintomas da doença. Devem, portanto, ser usados por toda a vida da pessoa que apresenta tal enfermidade, ou até que surjam tratamentos mais eficazes. Ainda não existem drogas disponíveis comercialmente que possam curar ou evitar de forma efetiva a progressão da degeneração de células nervosas que causam a doença. Há diversos tipos de medicamentos antiparkinsonianos disponíveis, que devem ser usados em combinações adequadas para cada paciente e fase de evolução da doença garantindo assim, melhor qualidade de vida e independência ao enfermo”, comenta a neurologista.
Cirurgia
As técnicas cirúrgicas também foram citadas pela Dra Juliana Nogueira, elas ajudam a atenuar alguns dos sintomas da doença de Parkinson e devem ser indicadas caso a caso, quando os medicamentos falharem em controlar tais sintomas. “Tratamento adjuvante com equipe multiprofissional é muito recomendado, além de atividade física regular. O objetivo do tratamento, incluindo medicamentos, fisioterapia, fonoaudiologia, suporte psicológico e nutricional, atividade física, entre outros, é melhorar a qualidade de vida do paciente, reduzindo o prejuízo funcional decorrente da doença, permitindo que o paciente tenha uma vida independente, com qualidade por muitos anos”, sugere.
A cirurgia para quem tem Parkinson é indicada para tratar principalmente o tremor, rigidez e lentidão, geralmente para pacientes que apresentam a doença por pelo menos quatro anos e que não conseguiram controlar os sintomas com medicamentos adequadamente. A neurologista explica que o tremor da doença de Parkinson é característico. Ele é chamado de tremor de repouso, ou seja, é mais evidente ou exclusivo quando a mão do paciente está parada, seja em repouso quando o paciente está sentado, seja quando ele está em pé com os braços relaxados.
“Quando o paciente executa algum movimento a tendência do tremor é diminuir ou desaparecer. Além disso, caracteristicamente o tremor é assimétrico, ou seja, é mais evidente em apenas um lado do corpo (geralmente as mãos), e com o passar dos anos pode afetar o outro lado. Vale lembrar que nem todos os pacientes com doença de Parkinson apresentam tremor. Em 30% dos pacientes ele está ausente, sendo a lentidão dos movimentos e a rigidez os sintomas mais evidentes”, ilustra.
Eletrodos
A neurologista Juliana Nogueira explica que a técnica de escolha cirúrgica é a Estimulação Cerebral Profunda (DBS). A cirurgia compreende no implante de um dispositivo (eletrodo) para estimular regiões específicas do cérebro. O eletrodo funciona como um neuroestimulador que produz impulsos elétricos modulando a atividade cerebral. A energia do eletrodo é proveniente de uma bateria colocada sob a pele abaixo da clavícula do paciente.
“Os benefícios da cirurgia de Parkinson são muito relevantes. Os sintomas melhoram em 50 a 70% e os pacientes apresentam uma melhora da qualidade de vida de até 50%. Ainda assim, um DBS não é a cura para a doença de Parkinson, nem evita a progressão da doença. Ele é um tratamento para melhorar a qualidade de vida do paciente”, enfatiza
Professor diz que melhorou qualidade de vida após o implante de eletrodos
O professor de Química Jonas Stainsack, 56 anos, que hoje está aposentado por conta do Parkinson, disse que levou um susto quando recebeu o diagnóstico da doença. “Quando você recebe a notícia, tudo muda de repente, de imediato a gente pensa: como será minha vida?”. Para ele, o Parkinson chegou cedo demais, foi em 2012, quando tinha apenas 45 anos. Porém, após se aprofundar sobre a doença, descobriu que os primeiros sintomas já existiam mesmo antes dos seus 30 anos.
“Sempre tive problemas em sentir odores, mas achava que era por causa dos produtos químicos, já que eu era estudante de Química e lidava muito com essas substâncias. Também comecei a sentir uma dor no ombro esquerdo, que irradiava, e pra isso também busquei minha própria explicação, pois como sou canhoto, achava que era proveniente de uma bursite. Procurei um ortopedista e ele prescreveu anti-inflamatórios e fisioterapia. Não demorou muito e comecei a sentir dificuldades para tocar violão. Então procurei novamente um médico e contei sobre os sintomas. Ele pediu um raio-x, uma ressonância magnética e também fez alguns testes, na sequência me encaminhou para um neurologista. Nesse momento já fiquei apreensivo. Na consulta com o neuro, respondi a 8 perguntas, me lembro das principais, ele perguntou como estava meu sono, o funcionamento do meu intestino e se eu estava com o olfato normal. Nessa época eu já estava tendo tremores quando ficava nervoso. O médico pediu exames para descartar outras doenças e, sem hesitar, disse que eu tinha Parkinson. Na hora não acreditei e de imediato me veio à mente a história do ator Michael Fox, do filme De volta para o futuro, que também foi diagnosticado com a doença. Saí do consultório com a receita de uma medicação própria para o Parkinson e o médico disse que caso eu melhorasse, era porque eu tinha mesmo a doença. Na época o diagnóstico era somente clínico e a doença só era detectada com mais facilidade quando o sistema dopaminérgico do paciente já estava bem afetado”, recorda Jonas.
O professor, que sempre teve uma vida muito ativa e gostava de praticar esportes, de repente também começou a sentir dificuldades para correr. Isso foi a gota d’água para que ele entrasse em depressão. “Isso aconteceu em 2014, eu era professor no Colégio Szymanski e tentei uma licença prêmio, mas não consegui, então entrei com pedido de licença médica e a decisão saiu no final de 2015. Era tudo muito complicado, a perícia no INSS demorou demais, e todos sabem que é um processo desgastante e constrangedor. Também nessa época eu saltei de 65 para 85kg, por conta da depressão e dos efeitos colaterais das medicações que eu tinha que tomar para curá-la (depressão) e também para tratar do Parkinson. Eu apresentava ainda mudanças de humor, que é um dos sintomas do Parkinson. Lembro que os médicos sempre diziam que a doença pode ser hereditária ou ambiental. Acredito que no meu caso foi por causa do meu pai, ele lidava muito com produtos químicos (fertilizantes e adubos) e eu convivia com aquilo”, relata.
Em 2016 Jonas fez um exame do espectro cerebral, onde foi injetado um material radioativo no seu cérebro, para verificar a distribuição dopaminérgica. O resultado acusou que a substância negra do seu cérebro já estava com uma degeneração de 70%. Ele apresentou uma piora e dos cinco graus do Parkinson, o professor já estava no estágio 3. “Nesse ano dei entrada na aposentadoria por invalidez. O tempo passou e em 28 de novembro de 2018 fui aprovado para fazer a cirurgia do implante DBS – Estimulação Cerebral Profunda. Foram 11 horas no centro cirúrgico e tive que ficar o tempo todo acordado, apenas com a cabeça anestesiada. A anestesia foi dada na testa, e as pessoas ainda brincam, dizendo que ‘de graça até injeção na testa’, não recomendo, doeu demais”, brinca Jonas.
Para ser submetido a esse procedimento Jonas teve que se enquadrar em três quesitos: a ressonância não poderia mostrar nenhuma atrofia no cérebro, foi submetido a uma avaliação neuropsicológica e por fim fez o teste do medicamento Levodopa com dosagens muito acima do que estava acostumado a ingerir. “Os médicos afirmam que isso é necessário porque existem outras doenças cujos sintomas são semelhantes ao Parkinson, então essa possibilidade tinha que ser descartada. O procedimento foi em novembro de 2018, mas o sistema foi ligado em março de 2019, após a cicatrização”, comenta.
Jonas recorda que após a cirurgia, não tremia mais, porém ainda sentia rigidez e bradicinesia (lentidão dos movimentos). Então passado um tempo, o médico dobrou a intensidade dos eletrodos. “Cinco anos se passaram desde que fiz a cirurgia e atualmente convivo bem com as limitações que o Parkinson me impõe, minha qualidade de vida melhorou bastante e a quantidade de medicações também foi reduzida”.
O professor ressalta ainda que os eletrodos possuem um controle remoto, cuja bateria precisa ser recarregada semanalmente. “As visitas ao médico também reduziram e agora são anuais e necessárias para avaliar a intensidade dos eletrodos, verificar se houve algum deslocamento ou perda de contato ou qualquer outro problema. Me sinto privilegiado por ter conseguido fazer essa cirurgia, mas acredito que em um futuro próximo as pessoas com Parkinson possam usufruir de novos tratamentos e tecnologias, que inclusive estão sendo testadas. É uma esperança!”, declara Jonas.
Serviço
Consultas com a neurologista Juliana Nogueira (CRM-PR 31636) podem ser agendadas na Clínica São Vicente pelos (41) 3552 – 4000 ou WhatsApp (41) 98780-1440.
Edição n. 1358