Prateleiras vazias, falta de gás para cozinhar, a escolha entre o almoço e a janta. Essa é a realidade de muitas famílias vulneráveis em Araucária, agravada pela pandemia. Os números de desemprego, perda de renda, inflação, entre outros, estão em disparada desde 2020, dificultando o acesso a alimentos. “Tem dias que fazemos duas refeições, tem dias que só podemos fazer uma”, conta Camila, 34 anos, dona de casa e voluntária no Beira Rio. Conhecida como “Mãe Social”, Camila vive essa realidade com sua família e atua junto a projetos sociais para arrecadar doações para a região, atendendo mais de 250 famílias e 200 crianças.
A situação não é recente, os índices de dificuldade no acesso à alimentos já estavam crescendo municipal e nacionalmente antes da pandemia. Nutricionista na Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) e ex-presidente do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de Araucária (COMSEA), Alexsandro Wosniaki explica que esse processo acontece desde 2018: “Antes desse período, as famílias pararam de notificar o ‘esvaziamento de prateleiras’. Ou seja, com os outros benefícios que eram oferecidos pela Prefeitura de Araucária como um todo, as famílias davam conta de suprir algumas questões relacionadas à alimentação”. A partir de 2018, a demanda por ajuda cresceu e a secretaria retomou a distribuição de alimentos em formato de cesta básica. O trabalho começou com mil cestas, aumentou para duas mil até o início da pandemia, quando, desde o ano passado, a assistência social distribuiu mais de 15 mil cestas básicas para a população.
Os dados são preocupantes — quanto maior a dificuldade no acesso a alimentos, piores são os índices de segurança alimentar e nutricional. A Escala Brasileira de Segurança Alimentar e Nutricional (EBIA) mede diversos indicadores para definir o nível em que as famílias brasileiras se encontram, e a falta de acesso a alimentos é um dos que configuram insegurança alimentar. De acordo com Silvia do Amaral Rigon, doutora em Ciências e integrante do Fórum Estadual de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional do Paraná, existem três graus de insegurança alimentar: leve, moderada e grave. Os níveis leve e moderado têm relação com a qualidade da alimentação e renda para acesso aos alimentos, por exemplo, quando a família precisa decidir entre comprar ou não carne porque os preços aumentaram. O nível grave é o que conhecemos como fome, quando as famílias não têm recursos para colocar comida na mesa.
Mães e as panelas vazias
Outro efeito da pandemia, o fechamento de escolas também afetou as famílias em vulnerabilidade socioeconômica. As crianças e adolescentes passaram a estudar à distância, perdendo as refeições feitas na escola e aumentando o número de pessoas que precisam comer dentro de casa. Em Araucária, a Secretaria de Educação se reorganizou para entregar cestas básicas aos estudantes da rede municipal, mas ainda não é o suficiente para algumas famílias vulneráveis. “Ver nosso filho passar necessidade e não poder ajudar é difícil”, relata Natalie*, 32 anos, dona de casa.
Natalie também mora no Beira Rio e faz parte de uma das famílias que depende de doações para conseguir alimentos. O marido é servente de pedreiro e está desempregado desde o início da pandemia, que interrompeu vários trabalhos presenciais pelo risco de contaminação. Natalie precisa cuidar do filho de cinco anos, que tem bronquite, depende de cuidados e remédios especiais e necessita de consultas com um médico todo mês. A família tem quatro filhos e a única fonte de renda no momento é o auxílio do programa de assistência Bolsa-Família.
Em uma situação parecida, Camila e o marido perderam o emprego antes da pandemia. Desde 2019, a família vive com dificuldades após precisarem se mudar para a comunidade por não conseguir pagar o aluguel e as despesas da casa anterior. Hoje, Camila conta apenas com a renda do Bolsa-Família e um auxílio-alimentação no valor de 120 reais, que começou a ser oferecido neste mês pela GERAR e Prefeitura de Araucária. Mãe de seis crianças menores de idade e dois filhos mais velhos, Camila diz que essa ajuda “foi uma benção, porque meus meninos não tinham leite”. Viver essa realidade é o que motiva Camila a ajudar outras pessoas em necessidade. “Quando eu estava grávida dos meus gêmeos, passei por isso. E eu sei quanto é triste, quanto dói, uma mãe olhar para as panelas vazias, olhar para os armários e não ter nada. Tentar correr de tudo quanto é canto para conseguir comida”, relembra.
*Sobrenome ocultado para proteger identidade da entrevistada
** Nome fictício para proteger identidade da entrevistada
Texto: Laís A. almeida com supervisão de Maurenn Bernardo
Publicado na edição 1265 – 10/06/2021